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315 estórias

Wednesday, March 22, 2006

O Retorno do Camarão

                                                   


   Camarada Choco
                                                                      
                                                                 Aventura 37

Portugal, vinte e um de Dezembro do Ano da Graça de Dois Mil e cinco. Algures a meio de uma manhã cinzenta um lamento corta a rotina da escola de mongas:

- Estou na miséria, vou ficar sem o último milhão – dizia a vítima, encostando a cabeça no ombro esquerdo do senhor Pintor, que pincelava num Noddy com a mão direita.
-Calma Camarão Reformado, calma, - dizia o artista dando um jeito com o ombro, tentando sacudir a cabeça do crustáceo para o lado do Bibi.
- Isso são gases – interrompeu a Lolita, passando em alta velocidade atrás do seu Castanheira.
- Calma ?? Então vou passar de uma vivenda para um T-10 com vista para o mar e tu dizes para ter calma, - chorou o ex -Stor Rico, agora monetariamente muito abaixo do Stor-Pobre, agarrando os colarinhos do pintor, obrigando-o a desenhar, involuntariamente, um cacete de elefante ao pobre do Noddy. – Não vou poder trocar de Mercedes…sou um pobretanas, vou ficar a ser conhecido como o Chixarro. Acabou-se o Camarão Reformado.
- Calma, calma ò Petinga….Camarão reformado….
- Viste, viste, até tu já olhas para mim e vês uma Petinga. Já todos se aperceberam do meu estado de miséria absoluta – queixou-se, puxando o bigode, que já se colara à testa. – A isto chama-se azar, sou um pobretanas azarento, sem futuro e já sem carteira da “Cartier”. Para o próximo ano só poderei ser cliente dos chineses, a minha alimentação vai ficar reduzida a arroz. Acabaram-se as lagostas, vou só poder comer ao pequeno-almoço um pratinho de torresmos e um penalty.
- Não exageres Petin…Camarão, vai ver que tudo se há-de resolver.
Ficou a Escola a saber que a ausência do ex-Camarão Reformado ao jantar de Natal se deveu ao facto de não ter dinheiro para comprar a prenda para a troca final.


Três de Janeiro do Ano da Graça de Dois Mil e Seis

Um potentoso Mercedes entrou a chiar no parque da escola e saiu de lá, tal qual um felino, um Casanova de bigode, já temperado, com um bigode digno de um Camarinha e uma cor a roçar o beduíno. Os olhos de lince escondiam-se por detrás de uns charmosos óculos de Sol “Lacoste” e os pêlos do peito esvoaçavam ao sabor do vento matinal.
- Camarão Reformado, Camarão reformado – gritou o Pintor de uma janela do primeiro andar, onde tentava secar um Noddy de cócoras a aliviar-se junto a uma azinheira. – veste a camisola, estás no trabalho e não no Passeio Atlântico.
- Na escola ?? – Perguntou assustado o ex-miserável, olhando para todos os lados.
Tal qual um golfinho, regressou ao bólide , conseguindo ser mais rápido do que o próprio bigode, que ficou à espera junto a uma das colunas.
- Assim sim, Camarão Reformado, - disse o pintor, e continuou. – Espera aí, tu estás diferente.
- Achas?
- Estás diferente do ano passado? Já não és Reformado!
- Correcto, agora sou de novo o Camarão dos anos vinte, passei a tomar o pequeno-almoço às 8H30 e não às 10H30 como antigamente.
O Stor Rico tinha recuperado de novo o estatuto e mais, muito mais, deitara para trás das costas o título de crustáceo reformado e enfrentava de novo as ondas do prazer, com o seu mastro em riste e a bandeira do Benfica na ponta. Tinha vencido a miséria e estava agora mais novo e atrevido, disposto a voltar ao século passado e aos seus ânus de glória. Até lá teria de palmilhar, em marcha atrás, o Passeio Atlântico, para assim tentar reduzir a idade dos 500 mil quilómetros para os 30 mil. Sem camisola e com os pêlos ao vento e os olhos a cortar as fêmeas, que antes não passavam de fantasmas.