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315 estórias

Thursday, March 16, 2006

A Queda de um Anjo

                                                     Camarada Choco

                                                                 Aventura 36

As dores eram insuportáveis, as hemorróidas invadiam o cérebro, indo por-se às cavalitas das artroses, da caspa e dos caracóis. Os pastorinhos não eram nada em comparação com esta mártir da Roque Gameiro, que tinha iniciado o calvário na Pedro Álvares Cabral e feito o estágio na Brandoa.
- Meu Deus, dá-me um anjo, envia-me um sinal qualquer, que me apague este fogo. Aceito qualquer coisa, até um anão, desde que tenha uma tromba funcional.
Entretanto junto à secretaria.
- Dino Meira? O senhor é o Dino Meira? – Perguntou a subordinada da dona Sãozinha, indo a correr para o vidro da secretaria.
- Mas que histerismos são estes aqui nas minhas instalações? – Impôs-se a D. Sãozinha, levantando os olhos das folhas de pagamentos.
- Mas é o Dino, chefe! – Justificou-se a moça.
- Dino? O meu nome é Nélinho e venho apresentar-me directamente das ilhas. – Interrompeu o desconhecido, agora com identidade.
Na Venteira todas as conversas chegam aos têxteis, mais cedo ou mais tarde. A mártir levantou-se, a custo, equilibrou-se nos tamancos, com muita dificuldade, pôs uma mão nas cruzes e dirigiu-se para a porta, pondo a cabeça de fora.
- Milagre, milagre, os céus ouviram-me e enviaram-me um Anjo, com mistura de Açor e Marco Paulo.
As dores passaram, a face coloriu-se e dançou um tango com o tição que estava dormindo, que acabou também por ter um gostinho e cantar um fado.
A emoção aumentou quando a Dra. Sem Canudo, como é tradição, tomou conta da situação, mesmo sem saber nada do assunto, e encaminhou o noviço para a sala de Arraiolos.
- É meu, é meu, o anjinho é todo meu, - gritou a mártir, dando uma palmada numa aluna, que executou de imediato três pontos cruz seguidos, sem convulsões. – Este ninguém mo tira, foi-me enviado pelos céus, como dizia o horóscopo do “Borda d’Água”.
Dito e feito.
Se o Nélinho se ausentava, tinha de justificar o tempo, segundo a segundo. E a situação agravou-se quando interceptou o anjinho a falar para as ilhas:
- É uma quarentona com cara de uma …monga…de vinte!
Só ouviu “quarentona” e “cara de vinte”. Foi de mais!
- Com cara de vinte, eu?? E que mais coisas eu tenho com 20 anos ? – Interrogou-se baixinho, dando cinco pontos cruz seguidos, também sem convulsões, quebrando o recorde da sala.
Findo o telefonema, o Nélinho aproximou-se da porta.
- Aonde pensa que vai? – Levantou-se de imediato a “guarda do anjo”.
- Vou à sala ao lado pedir um lápis.
- Eu também vou! Maria, toma conta da sala.
E a cena repetiu-se o mês inteiro. Onde o Nélinho fosse, a Mancha ia atrás. Só parava á porta da casa de banho, porque o Anjo se trancava antecipadamente. Por vontade dela fazia tudo nas retretes exteriores. Dessas vezes o Nélinho ouvia, além das arranhadelas na porta, o desabafo:
- Adorava sacudi-la!
E foi numa dessas procissões que deu de caras com o Ambrósio caspa encravado na retrete.
- Só me faltava esta, - queixou-se, - assim o Nélinho tranca-se outra vez.
E foi o que fez. A mancha ficou de novo à porta. Nisto entrou uma das madrinhas do choco, e não ganhou para o susto quando um roteweiler saiu de trás duma retrete e lhe barrou o caminho.
- Onde é que pensas que vais, piranha?
- Eu vou lavar as mãos!
- vais, vais. O que tu queres sei eu, mas fica sabendo que o Nélinho é meu, TODO MEU E SÓ MEU. EU VI-O PRIMEIRO.
- Tu já pareces a papoila, qualquer dia estás a ouvir o “Milho verde”, dentro da piscina de bolas.
Por detrás da porta o Nélinho tremia que nem varas verdes. Como é que iria conseguir sair. Espreitou e viu uma careca.
- A predadora está aqui ou é a Papoila? – Pensou.
CRRRCRRRR
Um som de algo a ser arrancado do solo distraiu a fera e obrigou-a a ir dar apoio ao Ambrósio, que estava a ser içado das entranhas do cagadouro, trazendo este colado ao rabo e deixando escapar por baixo um formosos cagalhões.
Foi o suficiente para o Nélinho escapulir e desaparecer no meio dos paninhos.

“Não pare, Não escute, Circule, Perigo de Morte” , é a tabuleta afixada na porta dos Têxteis!

1 comment:

Anonymous said...

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