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315 estórias

Wednesday, September 15, 2004

Estranhos Perfumes


                           Camarada Choco
                                          
 
A noite já ia longa, a Lua Cheia banhava de luz as ruelas estreitas da pacata Freguesia, indo os últimos raios terminar nas cabeças dos dois felinos mais famosos da Venteira, o “Rapaz” e a “Boneca”. Mas o sossego estava condenado ao fracasso ! Uma sombra misteriosa e caduca deambulava calmamente pelo terceiro andar direito do número sessenta e nove da rua Mestre Gameiro Monga. A silhueta de uma cifose, vulgo marreca, deslizava com desprezo pelas paredes brancas da habitação, acompanhada à frente por uma face também ela amarrecada. Lucky Luke era o cowboy mais famoso do oeste, que conseguia disparar mais rápido do que a própria sombra e o Choco era o monga mais conhecido da Brandoa, que já não conseguia aguentar com o seu próprio cheiro. As insónias sucediam-se, e a culpa disto tudo devia-se ao facto das actividades na piscina terem encerrado com a chegada do final de mais um Ano Lectivo. Sem natação não havia banhos e agora o Choco vergava-se ao peso do sarro e das borgalhotas. Até um leão deste gabarito tinha limites ! Os carneiros recusavam-se a saltar e sem eles o João Pestana entrara em greve. A solução encontrava-se na cozinha e tinha a forma de um elegante garrafão de perfume, que dava pelo nome de “PacoRabóne”, made in uma loja dos 50 das elegantes catacumbas da Manchúria. Nestas alturas o Choco desnudava-se, tendo mesmo assim dificuldades em arrancar as cuecas amareladas, estilo pergaminho, que teimavam em agarrar-se, tal qual uma carraça, à sua elegante bacia em forma de couve flor. Ultrapassada esta sensível fase, o nosso herói do cinema mudo abria com os dentes o gargalo em forma de tremoço e expulsava com sofreguidão o cheiro nauseabundo que já lhe riscava a alma. Mas havia algo que teimava em permanecer e esse algo eram os odores insuportáveis das entranhas! Como felino que era, também conseguia sempre ultrapassar estes obstáculos. Nada como uns bons gargarejos, seguidos de várias deglutições do maravilhoso “PácoRábo”. E assim terminava mais uma das inúmeras sessões nocturnas do nosso querido Choco. A tudo isto assistia a sua incrédula progenitora, também ela com dificuldades em adormecer, mas por só contar até às 3 ovelhas e assim não conseguir accionar o velho John Péstan. Tudo isto ela contou, na décima pessoa, à educadora responsável pela difícil tarefa de transformar a irmã do Choco, a já célebre Bélinha, numa cidadã útil à sociedade:
- Todas as noites é sempre a mesma coisa, vejo-o sempre nu a banhar-se no perfume e depois bebe-o, será que o meu Choco é um drógado, um tchocoindependente ?
- Nãoão – respondeu-lhe a educadora, revelando ser uma mulher do norte.
- Mas não vim aqui só para falar de tristezas – continuou a Encarregada da Reeducação do Choco – sabe que hoje deixei a minha Bélinha usar o meu perfume especial – e deu um toque orgulhoso na filha, uma espécie de Choco com saias – emprestei-lhe o “Ananás, Ananás” que comprei por 200 na loja dos 300.
Algures perdido numa das casas de banho do Centro, o nosso herói sofria na pele, mais propriamente ( e sejamos realistas! ) no olho-do-cú, as agruras do seu vício nocturno. Agachado em cima da retrete, tal qual uma galinha no poleiro, despejava, sem apelo nem agravo, o seu “PácoRábo” ingerido na véspera. Mas como a sua coluna nunca fora uma linha recta, sofrendo por isso um desvio no fim da linha, metade do conteúdo intestinal teimava em deslizar pela parede abaixo. O responsável pela pele do Choco Silva estava atento e por isso proibira o uso de cigarros numa área de 50 metros em redor do Predador-Cagador. Uma beata mal apagada poderia transformar o nosso Choco tipicamente europeu, num Choco africano, vulnerável aos instintos rácicos dos vizinhos. Os mais optimistas diziam que ele estava com o cio e tinha assim necessidade de marcar o seu território. Mas fosse qual fosse a razão de largar tanta quantidade de merda, acabou por não ser autorizado a ir com os colegas ao museu do fado, não resolvesse lá marcar o traje de alguma fadista mais atrevida. E o despejo a que foi sujeito, já depois de ter abancado na carrinha, marcou-o profundamente. Foi visto a entrar enfurecido na Escola, deixando rasto como o caracol, só parando na casa de banho mais perto, onde deixou um grafitti de desprezo. Depois da obra feita atirou-se, com as garras de fora e as cuecas dobradas, às costas do Pitrongas, afiambrou duas bolachas no GiGi e marcou um penalty na perna esquerda da Palmira Melga. O Predador-Cagador estava incontrolável ! A cor esbranquiçada esfumava-se, até dava a ideia que já havia um novo Papa, o Choco aproximava-se da forma dum fantasma, um misto de Corcunda–de-Notre-Dame com um saco de Farinha-Nacional-de-50-Quilos. As queixas acumulavam-se à porta do domador da fera, os papéis azuis de vinte e cinco linhas entupiam a entrada para a sala de Artes Gráficas. Até o Windows 95 tinha fugido em pânico! O que fazer para parar esta máquina infernal de chutos, pontapés e borradas?

1 comment:

Anonymous said...

necessario verificar:)