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315 estórias

Friday, April 28, 2006

O Cabo das Tormentas (Triologia) - III



                                                   Camarada Choco
                          Triologia - O Cabo das Tormentas
Parte 3 - O regresso do cabo 
                                                    

A bonança tinha regressado e a Dona Pilca deitara a beatice para trás das costas e entregava-se agora à luxúria dos parafusos; a sua colega de martírio, a Menina Tatrícia, enterrara para sempre os remorsos e dedicava-se agora ao fabrico e exportação de sabonetes. A vida corria calma, para trás ficaram os dias loucos dos remorsos.
Mas a sorte ia mudar!
Algures na Escola de Reeducação de Desaparafusados, a psicóloga da área educativa estava ao telefone com uma encarregada de educação desaparafusada de um desaparafusado, tentando convencê-la que o cabelo do filho já não cabia na carrinha e que o cheiro atingira a redline, enquanto a mãe esclarecia que o marido, enquanto estava sóbrio, era um pai muito atento à educação do filho, tal como ela, que fora incomodada só para lhe dizerem isso. Ameaçou deixar de receber os subsídios se tornassem a acorda-la às onze da manhã.
Trim, trim…
Levantou os olhos do telefone e procurou a assistente da dona Sãozinha. Não estava.
- Que maçada, vou ter que ser eu a abrir a porta – refilou, arrastando-se até ao visor.
- Kodac? A esta hora da manhã? – Pensou, - que grande balda, entra às horas que quer – e carregou no botão.
Pouco depois um pequeno vulto compacto espreitou pelo vidro.
- Kodac, isto são horas de chegar à escola? – Perguntou de rajada a assistente da assistente da dona Sãozinha, levantando os olhos para o recém-chegado.
Ficou muda, abriu os olhos, recuou, deixou cair o telefone e, após um longo silêncio, cumprimentou:
- Bom dia Cabo Pilas, bem-vindo ao lar, doce lar.
O regresso do Cabo foi efusivamente recebido pelos alunos profundos da Educativa, e por dois coices da Papoila no armário da Dona Gillete, que deu um berro tão acústico que fez abanar as roscas da Dona Pilca e derreter os sabonetes da Menina Tatrícia.
- Meus Deus, senti um frio a subir-me pela espinha – resmungou a ex-beata Pilca.
- Epá, que grande arrepio – exclamou a ex-beata Tatrícia, rasgando a folha da revista “Maria”.
- …on…ia – respondeu, finalmente, o ex-ausente.
- Então, estás melhor?
- …elhor…que…unca!
- Estou a ver, estou a ver. Se me permites, Kodac…perdão…Pilas, vou continuar a falar com esta mãe.
- …ou…umprimentar..o…essoal.
Ao longe a Dona Pilca começou a pincelar a mesa e a coçar freneticamente a cabeça.
- Pilca, acalma-te – gritou a própria. – Que estranho, mas o que é que se está a passar? Estava tão bem.
Noutra sala..
- Estás a comer o sabonete, Tatrícia – avisou a assistente.
Toc, Toc,Toc – bateu o cabo na primeira porta do CAO.
Nada!
Resolveu abrir a porta e…
- …on…ia – cumprimentou.
- Bom-dia, bom-dia, bom-dia – respondeu uma das destravadas, abanando o corpo e trincando os dedos.
A Dona Gilette levantou a cabeça e avisou:
- Kodac, o que é que fazes aqui? Devias estar a pintar um Noddy.
Quando as lentes do bazar chinês finalmente conseguiram focar-se na cara do intruso, a senhora deu um pulo:
- Cabo Pilas? O senhor por aqui?
- …á…tou…om, ….do….melhor. Só….eria…dar os…ons….dias.
- Bom-dia também para si.
- Bom-dia, bom-dia, bom-dia, repetiu novamente a destravada.
Não houve tempo para outros cumprimentos, porque o Cabo seguiu viagem para a porta ao lado.
- Hoje não acerto com nenhum sabonete – queixou-se a Menina Tatrícia. – Não sei o que é que se passou comigo. Estava tão bem, se calhar é a “síndrome da santinha”, do Choco.
Quando o Cabo chegou aos têxteis, ouviu o berro da Dona Pilca.
- Mas o que é que se passa comigo? Nem consigo pôr uma rosca…e estes calores…este tremor – barafustava
- …on…ia – saudou os desaparafusados dos Arraiolos.
Ninguém se mexeu. Estavam todos mais para lá do que para cá, como do costume.
- …mas..o…que é que se passa? Estão…odos…alucos?
Seguiu viagem. O berro da Dona Pilca fez com que a Menina Tatrícia se precipitasse em ajuda à sua amiga de martírio. Assim, quando chegou à sala dos sabonetes, a assistente, que estava tão absorvida nos novos sapatos de pele de sapo desaparafusado, nem levantou os olhos, e limitou-se a responder-lhe ao cumprimento:
- Bom-dia Kodac.
Entretanto…
- Então, o que é que te aconteceu ó mulher? - Perguntou a Menina Tatrícia, entrando de rompante na Sala dos Parafusos.
- Estou com calores, muitos calores.
- Menopausa?
- Devo estar a ficar mais desaparafusada. Isto pega-se!
- Eu hoje também não ando a bater bem. – Confessou a Menina Tatrícia, sentando-se ao colo da Tininha.
Faltavam três metros para o Pilas atingir a porta da Sala dos Parafusos!
- Há qualquer coisa que não bate certo. Eu pressinto algo!
Toc, Toc, Toc, ouviu-se na Sala das Roscas. Ninguém ligou. Os comportamentos da Dona Pilca tinham-se agravado. De gatas no chão, coçava a orelha com a perna esquerda.
- Ó mulher, comporta-te, - gritava desesperada a Menina Tatrícia, tentando trazer à realidade a colega de infortúnio. – Eu já te tinha dito para não abusares das tintas chinesas. Agora deu nisto, o que é que te irá acontecer mais?
O destino por vezes é “madrasto”, e quando no passado há uma mancha negra, neste caso um Cabo, a vingança dos céus poderá ser terrível. Nem várias idas a Fátima atenuarão a ira celestial.
TOC, TOC, TOC, insistiu o ex-militar, não de Abril, mas de outro mês qualquer.
A orelha da Dona Pilca já deitava fumo, e um bigode republicano cobria-lhe a face.
- Outra vez esse sinal – gritou agora a Menina Tatrícia, um pouco assustada. – O “mustache” só aparece quando…
- Ele anda aí, ele anda aí – berrou a senhora da Sala das Porcas, pondo-se em pé em cima de uma das mesas e dando um biqueiro num dos alguidares, que continha o trabalho matinal das operárias.
- Ele anda aí, o fantasma do pequenote regressou para nos atormentar.
A Menina Tatrícia tinha-se sentado e, com a mão na testa, lamentava-se:
- O bigode republicano da Pilca não deixa dúvidas, é um sinal dos céus. É como o algodão, não engana. O Cabo regressou!
Lembrou-se então que, na Zambujeira do Mar, durante a peregrinação a Fátima, uma voz, vinda de um bode, lhe dissera:
“Se à Pilca um “Mustache” republicano lhe aparecer, é sinal do retorno do meia-leca.”
TOC, TOC, TOC, insistiu o retornado e prosseguiu:
- …ão …sur…dos…
- Entre – autorizou a Dona Pilca, já recomposta.
- …on…ia..
- Kodec? O que fazes aqui? – Perguntou a educadora.
- É ele, é o Belzebu Minorca! – Gritou a Dona Pilca, agarrando-se à Menina Tatrícia que, com o encosto, engoliu um sabonete de canela.
Quanto ao Cabo, desistiu de cumprimentar os colegas, e foi-se apresentar à proprietária do espaço, a especialista das especialistas, que o colocou no primeiro andar, longe dos pecados terrenos do rés-do-chão!

2 comments:

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