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315 estórias

Saturday, December 13, 2025

A senhora de Fátima

 


O Comandante Guélas

Série "Malucos Anónimos"

6


“Enquanto você se esforça para ser um sujeito normal e fazer tudo igual … eu do meu lado aprendendo a ser louco, maluco total, na loucura real.”

Raul Seixas


Graziela foi noiva de um engenheiro com voz de falsete, apesar de gostar mais de barítonos, trabalhava numa topografia na serra de Aire, e numa manhã, sob o efeito de um ataque psicótico, saiu de casa com o fato do casamento e embrenhou-se pela serra. Quando o filme acabou estava perdida, e para tentar encontrar o caminho para casa subiu a uma azinheira, para ver mais longe. Aí permaneceu até ouvir o balido de uma ovelha. Olhou para baixo e viu 3 crianças ajoelhadas junto à árvore a olharem fixamente para si.

- “Sou eu a Senhora de Fátima” – confidenciou mais tarde ao padre de Campo de Ourique, com uma voz de falsete e olhos jocosos.

Foi de imediato recambiada para a Associação Mutualista dos Malucos de Sintra, onde conheceu o Constante, que lhe explicou que a sua problemática tinha como causa um curto circuito entre várias consciências:

- O cérebro é pequeno demais para conter toda a informação de que dispomos, é uma impossibilidade física. Tenho toda a minha família dentro de mim, o incompetente do S. Pedro enganou-se quando os reenviou para a Terra, e reencarnaram no meu corpo. O cheiro a merda de cavalo que começou a sair dos meus poros após o verão de 1985, é da minha tia Balbina que morreu com uma bebedeira em cima de um monte de estrume, depois de ter pegado fogo à casa onde os outros dormiam.

- Pareciam milho a virar pipocas, - confidenciou com orgulho à PJ.

Ficou famoso o fogo de artifício da família Patronilha.

- Sou a senhora de Fátima! – Disse Graziela dando ao Constante uma festa no cabelo oleoso.

Ele olhou demoradamente para a nova camarada da Associação Mutualista dos Malucos de Sintra e após alguns minutos soltou uma gargalhada ruidosa.

- Pareces uma santola suada!

Quando o Constante estava num turbilhão alcoólico e violento tinha uma obsessão de cutucar ninhos de vespas e perseguir a Lua. Essa noite não foi exceção, mas as asiáticas cuja casa fora indicada pela nova “amiga” fizeram-lhe a folha.

- Parecia um boneco de cera, - dizia o seu irmão gémeo, o Pinto, todas as manhãs quando depositava um ramo de amargas no local onde o descobrira, e registara as derradeiras palavras do moribundo:

- Vai pró caralho!

Após cada travadinha o Pinto abanava como um leão a coçar-se no chão da savana, regressava sereno e beato como um quiabo, era a bonança. Para recuperar o controle do corpo coçava sempre os tomates. Mas depois vinha sempre a tempestade, começava a ver deus e o diabo em todas as caras, encarnava no Constante, sinal de regresso à loucura, de mansinho, a sua Jerusalém.

- Esquece-me, que eu já te esqueci! – Gritava para todos os colegas de carteira com que se cruzava.

O berlinde grande do jogo do Guélas chamava-se “abafador”, ao dono dele bastava tocar nos pequenos dos adversários, para tomar pose destes. Após a morte do Constante o mano Pinto começou a abafar os colegas com a almofada devido a um excessivo anseio de ser feliz. Até que foi vítima do Arranca Prepúcios!

 

 


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