Camarada Choco
Aventura 20
Era uma vez uma ilha semeada de coqueiros e de gente exótica.....
O choro dentro da cubata era a duplicar porque em vez de um nativo vieram ao mundo dois. O acontecimento foi comemorado com poemas, vinho, catinga e muita...muita imaginação:
Óbvio e Óbvia, respectivamente o nome do rapaz e da rapariga.
Os livros e os cocos tinham influenciado o pai, não fosse ele um candidato a poeta-pedreiro, sempre vestidinho de branco, boininha e cheirinho maroto a catinga. Mas nas histórias cor-de-rosa também caiem as nódoas! Uma gripe lixou tudo, degenerou para um mal maior que atacou sem dó nem piedade a pobre Óbvia. Havia uma solução: um soro, um simples e banal sorinho. Banal!?? Naquele fim do mundo nada era banal, principalmente a partir do momento em que os seus governantes tinham decidido serem maiores e vacinados. Assim, soro nem pensar....aquele tipo de soro que na nossa terra compramos no senhor Firmino da esquina, na loja dos 150, ou até numa qualquer banca da rua....nem uma gota. Foi-lhe fatal, não no sentido literal mas ao nível motor, mental...existencial.. Tragédia...tragédia!!?? Não...a Sorte Grande, o futuro radioso para a família...o Grande Golpe...a Golpada.
Como o pai tinha acesso ao Presidente da ilha, uma espécie de senhor Porres da loja ao lado, conseguiu passagem para ele e para a filha irem para a terra dos antigos mauzões, à custa dos mauzões. A menina iria fazer uma tentativa de recuperação.
Lembro-me do sorriso genuíno da Óbvia, isso a doença não tinha conseguido roubar-lhe.
- Ela tem uma boa cabeça, deve-se investir nesse aspecto – alertou uma vez a especialista do grande centro aos técnicos e ao pai.
O investimento começou e o pai até conseguiu arranjar o emprego porque tanto lutara: acartar tijolos e outras coisas afins. Graças à filha estava no El-Dourado!...e mais tarde, e porque estavam com muitas saudades da sua taluda, veio o resto da tribo. A festa foi de arromba, o cheiro a matacanha e a catinga fresca embrenhou-se pelo noite dentro, só terminando quando o progenitor adormeceu devido ao excesso de sumo de cevada. Como era óbvio a Óbvia não pode participar porque era...era...era deficiente e naquela festa só entrava gente fina. O azar dela era a sorte dos outros ! E nem teve direito a tomar os comprimidos obrigatórios, porque a mãe só lia em crioulo, apesar de ser analfabeto e o pai estava de férias da filha. Restou-lhe o seu inseparável bóbi, um rafeiro mais arraçado do que os outros, um genuíno anjo da guarda que a mimava de noite e de dia. Talvez os únicos beijinhos que tivera ao longo da sua penosa vida foram as inúmeras lambidelas que o vira latas insistia em dar de minuto a minuto.
A tribo já estava instalada, o pó da ilha ficara para trás e os seus trouxeram uma nova lotaria: “subsídio de assistência à 3ª pessoa”. Mais uns continhos para a algibeira! E para isso bastaria tirar a Óbvia da Escola e levá-la alegremente para o barracão, onde a educariam e reabilitariam com muito carinho. Dito e feito, foi óbvio que a Óbvia regressou ao lar doce lar. E como não era rapariga para grandes fugas, porque com os olhos ninguém conseguiria ir longe, estacionaram-na a um cantinho e aí ficava enquanto todos saiam para trabalhar. Todos!?? Todos não, o inseparável Bóbi não largava a sua grande paixão e passava os dias a alimentar-lhe aquele magnífico olhar.
As suas mazelas obrigavam os músculos a contraírem-se ao mesmo tempo e assim não havia osso que aguentasse. Em seu auxílio vinham sempre os drunfos, que repunham a legalidade naquele pobre corpo e que atrasavam as demolidoras deformações. Até a tribo chegar, tudo era feito dentro da lei, depois dela acampar instalou-se a anarquia típica do seu local de origem. De estúpidos e atrasados revelaram-se uns espertalhões, uns sabichões: o “ subsídio de assistência à 3ª pessoa fez com que o dinheiro que era dado à Escola fosse parar aos fundilhos do pai e assim passarem a tratar alegremente do seu Totobola. E como com tostão a tostão encheriam depressa o mealheiro em forma de coco, abdicaram das idas à farmácia e assim passaram a poupar o dinheiro que antes a Escola gastava nos drunfos. E quando o mar bate na rocha quem sempre se lixa é o mexilhão, neste caso o molusco chamava-se obviamente Óbvia. A partir daqui os ossos da pobre pequena começaram a gripar e as deformações acentuaram-se. Nenhum apelo às instâncias responsáveis foi o suficiente para salvar a pobre criatura que um dia nasceu no sítio errado com tudo errado.
O único ser que a acompanhou até ao horrível fim foi o seu inseparável Bóbi. !
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