As mãos apertavam com carícia, tal qual o seu ilustre antepassado “Jack o Estripador”, o pescoço sensual e lustroso da progenitora, aquela que lhe dera de mão beijada os genes da marca Treacher-Collins. A língua do macho já tocava na orelha esquerda, sinal de uma força bem aplicada, enquanto que a língua da fêmea tocava na orelha direita, sinal de uma resistência a atingir a redline.
- HáHêga – gritava desesperada aquela que um dia o tinha parido com tanto amor.
Graças a Deus que o nosso Choco ainda conservava nos seus genes uma réstia de “AMORDEMÃE”. Retirou de rompante as garras do pescoço e enquanto ela recuava devido à anóxia, presenteou-a com um elegante e extraordinário coice, uma forma jubilatória de assinalar e comemorar a vida, que a colou à parede mais próxima, junto a um Santo António que, devido às ondas de choque, largou o menino e precipitou-se de encontro ao chão, fazendo um estranho barulho:
- Bufaram-se – alertou o vizinho do quarto esquerdo.
Era bom era ! Mal ele sabia a fera que morava em baixo, um macho dos antigos, um HOMEM-DAS-CAVERNAS com letra grande, um sábio, um atleta, um mangusto, uma ave rara, um pitrongas, um génio literário..enfim, o Adamastor da Venteira. O esforço fê-lo voltar para a cama e deitar-se relaxado, tendo nos seus braços o ursinho de estimação, o Trabeclas, nome posto em memória do seu grande avô materno, responsável pelo gene – coxo que se infiltrara na linhagem desta distinta família da Brandoa-Sul.
A um canto da casa a mãe conseguira finalmente descolar-se da parede, deixando para trás, não um rasto como o caracol, mas sim a sua silhueta de sebo, que começava agora a derreter com os primeiros raios de Sol. Iria com certeza ser aproveitada para fazer velas no Natal. Pé ante pé a triste senhora, mãe extremosa dum Choco em conflito com o Mundo, espreitou para os quartos dos filhos e confirmou que estavam a dormir. Por breves momentos esqueceu-se do predador e ficou-se com as memórias de há vinte e dois anos atrás, que lhe mostravam um anjinho – achocalhado, ou seria um morcego (??), de trinta centímetros, cor de suspiro-fora-de-prazo e olhos de camaleão. As dores no ombro direito e no baixo ventre trouxeram-me de novo à realidade. Tinha de sair e ir apresentar queixa ao técnico responsável pela reeducação do Choco, enquanto o guerreiro descansava agarrado ao seu fiel Trabeclas. No quarto ao lado dormia com os anjos a Bélinha. A Natureza tinha destas coisas: no lado esquerdo uma fera, um revolucionário à moda antiga, uma raridade, um Viriato em potência, capaz de nos surpreender a todas as horas, senhor de inúmeros odores a macho e dono de uma colecção completa, e móvel, de cassetes piratas, gravadas in loco na feira da Brandoa e com as fotografias do Dino Meira pintadas na altura com lápis de cor made in Afeganistão pelo tio BinLadras; no lado direito uma choquinha sem passado e com pouco futuro, que provavelmente passaria ao lado da História caso o maninho não resolvesse acordar, durante a nobre missão da pobre mãe, e presentear a irmã com uma colecção completa do faqueiro comprado numa loja dos 150 do Casal Ventoso, a prestações constantes e suaves, arrumando-o com classe e charme, característica indiscutível deste diabo-da-Brandoa ( primo afastado do diabo-da-Tânsmania), nas largas costas da irmã. Se os céus quisessem nada de trágico aconteceria.
- Que cheiro a Peido, – alertou de novo o vizinho do 4º esquerdo.
Era bom era ! Mal ele sabia que a fera que morava em baixo acabara de voltar-se de barriga para baixo e isso implicara recorrer a alguns gases disponíveis, que expunham a manifestação de um especial estado de alma.
O senhor Tobias, dono de uma loja de electrodomésticos, ainda viu, de relance, um vulto a passar, tal como um foguete, mas a coxo.
- Bolas, naquela família ninguém cumpre os limites de velocidade, – praguejou.
Mas para cumprir os limites era necessário tê-los ! Na cave do prédio uma masmorra esperava o nosso incipiente herói, tal e qual aquela que tinha visto na televisão.
- À ponho, ponho, – dizia a senhora ao reeducador do filho, demonstrando ser uma governanta diferente, capaz de enunciar uma certa pintura do mundo familiar, não estivesse ela na secção das Artes Plásticas.
Mas contra toda a lógica de um esquema mental humano, depressa avançou com uma proposta lógica e surrealista:
- E se o meu choquinho deixasse crescer o bigode ?
O reeducador nem queria acreditar ! Confuso...perdido nos meandros da mente, já nem conseguia distinguir a ficção da realidade, o dia da noite,...e ainda por cima a mãe esperava uma resposta rápida:
- Então, o bigode !??
- Sim, sim – respondeu com medo, – um bigode... talvez resolva a situação... com uma mosca...
Passavamos de um ChocoKnife para um Zé do Telhado dos autênticos, um galifão, a roubar aos ricos para dar aos trissómicos... uma lenda capaz de fazer sombra ao mais terrível dos Talibãs, ao mais sanguinário dos ladrões, ao mais terrível dos índios.
Depois do bigode ser um dado adquirido a mãe desapareceu no alcatrão de regresso a casa. Infelizmente o Choco já acordara e estava a treinar afincadamente na irmã. A mãe foi a tábua de salvação para a choquinha, pois foi confundida com um Talibã e levou o respectivo correctivo necessário à situação.
2 – 0 foi o resultado do desafio, e por KO !
O dia acabou mal para o nosso querido ChocoKnife pois à noite, mais concretamente às 23 horas dez minutos e quarenta e cinco segundos, a mãe pôs o pai ao corrente da história do episódio número setecentos e trinta e seis da grandiosa novela de Amor, Ódio e Paixão, “ChocoKnife – o herói Treacher – Collins”, e enfiou-lhe vários secos e molhados, ficando no ar a promessa de para a próxima lhe meter os “dentes para dentro, coladinhos ao Céu da Boca”. Enfim, modernisses !.
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