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315 estórias

Sunday, November 23, 2025

Supertaça “Insiste, não Desiste”

 



Camarada Choco

Série Paço de Arcos

Futebol PA 78


Ia o tio Kiki calmamente a carregar a bilha de oxigénio da nova namorada, quando tropeçou no tubo da “jovem” e entrou de rompante no cesto dos vegetais de um cliente do Mercado da Pampilheira:

- Cuidado com as minhas laranjas e os meus rabanetes. Vens às compras bêbado, acabaste de sair do H2O? – Protestou o Platini, o único jogador do Futebol PA que fazia contra-ataques de costas.

- Rabanetes? Andas nesse vício agora? – Perguntou o tio Kiki abrindo a torneira à namorada, que estava estendida no chão estilo bacalhau.

- Estou a comprar laranjas e rabanetes, as alfaces só me dão energia para jogar ao sábado, com o Tony Ramos, no Futebol Brasileiro Adaptado. Para domingo preciso de muita vitamina C.

Neste dia 23 de novembro de 2025 houve dois tios que se evidenciaram, o Espalha, que defendeu melhor fora da baliza do que dentro dela. Parou a bola do adversário de frente, de lado, de costas, e de bumbum, mas ao contrário do saudoso Capitão Porão, das vezes que a boa lhe castigou o cu não fez eco; o outro foi o Peidão, marcou dois golos, dando a vitória à sua equipa, ultrapassando o recorde do Caveirinha, e colocando o Filipa à beira de um ataque de nervos tal, que se transmutou no Outro, saindo intempestivamente do campo a culpar alguém:

- A Bola!

Não ter consciência de estar em campo é grave, mas o Futebol PA permite este tipo de atletas, porque é inclusivo. O Filipa escolheu com o Al-Berto mas pôs condições:

- Não quero o Peidão e exijo o Zé das Cápsulas!

- Tens a certeza, os rankings não aconselham?

- O Peidão vai querer ir para o ataque, mas só sabe tirar cafés!

Um biqueiro reflexivo fez com que o Filipa marcasse um golo aos 30 minutos. E o resultado manteve-se até 15 minutos do final. Como o Fininho teve de sair mais cedo, houve necessidade de colocar um jogador adversário equivalente: o Zé das Cápsulas! O tio Kiki protestou, tinham acabado de juntar dois dos atletas mais entrosados do Futebol PA da atualidade: o Peidão lá à frente e o Zé das Cápsulas a distribuir-lhe jogo. O empate veio rapidamente, assim como a vitória. O resto foi uma questão de relógio e de fé no Cristo-Rei.


Thursday, November 20, 2025

Os Desassossegados

 


O Comandante Guélas

Série "Malucos Anónimos"

5


“Claro que és. Se não fosses maluca não estavas aqui.”

 

Gato Cheshire no “Alice no País das Maravilhas” (Lewis Carroll)

 

Como é que uma criança tão tímida se transformou num animal de rua? No momento em que o Alice se convenceu de que todas as doenças o atacavam. Dizia ser a música orquestral a paleta de timbres que o incentivava a plasmar os ódios, para onde mergulhava a cabeça fria e o coração quente, pois sentia-se sempre a cumprir uma função completa e exigente:

- Há colegas que demoram tempo a morrer, são teimosos, - queixava-se sempre aos juízes.

Viu o pai morrer na cozinha, com 38 anos, sufocado no próprio vómito, após empurrado pelo álcool. Havia uma desagregação dos laços afetivos e da miséria, que marcou a vida da família. Era um paciente que adorava apertar os catos do jardim, dizia que havia beleza nas coisas que picavam e acrescentava sempre:

- Mais vale chegar atrasado a esta vida, do que cedo à próxima!

Numa das suas deambulações pela quinta onde se inseria a “Associação Mutualista dos Malucos de Sintra”, o Alice viu ao longe, no meio do mato que rodeava os pinheiros velhos, três silhuetas em andamento. A brisa reflexava folhas de árvores e de memórias de antigos residentes. Esfregou os olhos e elas desapareceram numa nuvem de pó. Dois reapareceram cambaleantes e um levantou-se.

- Palhaço, - gritou quando reconheceu o Tagarelas, um antigo gestor de olhos risonhos, ligeiramente inclinados e mal distinguíveis, afundados em órbitas macias, cujo stress e ganância lhe queimaram de vez as juntas da cabeça, tendo perdido para um vizinho saudável a mulher e os filhos.

O trio tornou a juntar-se, e continuaram em direção a um amontoado mais denso de árvores. O Tagarelas era um poeta que ainda sonhava com o futuro, mesmo sendo uma casca vazia.

- Quando sair daqui volto para casa, para junto dos meus pequenos e da minha Maria.

O Criolina saiu a correr em direção ao Alice, que dizia também chamar-se Cooper, polvorizando ramos secos, que ficaram presos nas roupas e arranharam o rosto. A biografia do Criolina iniciou-se na sua adolescência, quando desenvolveu uma obsessão pelo Fernando Pessoa. Aos 22 anos, já com três personagens dentro de si, o Ricardo Reis, que no caso dele se chamava Vaginas, optou por cortar o dedo mindinho da mão esquerda em vez de violar a irmã. Seguiu-se o anelar para não ter de matar a tia Anita Carapita, que lhe chamara “maricas”. O padre Januário, a quem ele tratava por pai, mas não sabia que era verdade, convenceu-o a ir falar com um médico amigo que trabalhava na “Associação Mutualista dos Malucos de Sintra”.

- Vai na tua mota todo janota.

No dia 23 de dezembro de 1978 apareceu na consulta de psiquiatria, montado na sua reluzente Zundapp, com fitinhas coloridas nos punhos, e muita brilhantina. Bateu à porta, e quando ouviu “entre”, rodou a maçaneta e apresentou-se ao Dr. Cambeiro, Zézinho Circunferência para os amigos:

- Bom dia, o meu nome é Cavaco, sou trabalhador das Minas da Panasqueira, tenho 22 anos, e por isso não há maricas que me arreganhe o cu.

Acabara de fazer um autodiagnóstico, que lhe colou um rótulo do qual nunca mais se libertou, e que foi o “grito do Ipiranga” da família endinheirada, condição essencial para ter direito a um quarto imediato, ou seria uma cela? Iria ser uma mistura de insanidade e liberdade. Para complicar a situação, o Alberto Caeiro, que se chamava Montanelas, apaixonou-se de imediato pela Tita dos Pés Sujos, que para ele tinha um corpo sensual mesmo estando deformado pelos distúrbios da mente:

- Faz-me lembrar a Albertina das Mamas Grandes do “Dallas Cowboy”!

Mas como ela já tinha dono, o Frank Moka, cortou o dedo mediano, para não ter que matar o rival. Aproveitou o balanço sinestésico, na qual a mente é empurrada para o convívio com os fenómenos primitivos, e convenceu o Álvaro de Campos, Cavalo Malandro no seu caso, a cortar o indicador, para não ter de matar o Octanas, que tinha bafo de gasolina, e assim ganhar o “Prémio Nobel da Paz”. Sobrou o polegar, com o qual tirava o sebo das orelhas. E quando cortava os dedos nem tugia, nem mugia, agarrava no pedaço e atirava-o para o caixote do lixo mais próximo, gritando:

- Nunca renunciarei a Satanás, que me perdoe o padre Januário.

Um dia acordou a anunciar que D. João II, o “Príncipe Perfeito”, encarnara-o!

 

 

 

 

 

 

 

 


Wednesday, November 12, 2025

O Comboio Humano

 


O Comandante Guélas

Série "Malucos Anónimos"

4

A Humanidade contém muitas anomalias inexplicáveis. O guinchar dos travões do comboio quando o avistava, eram a banda sonora dos dias do Chora na Penca. Qual seria o seu destino, estaria à procura de um caminho para casa? Por causa da doença viu desaparecer familiares, amigos, amantes, apenas lhe restou o vazio, o silêncio. Começou por trancar-se no quarto, calando aflições e dores, abandonos e vácuos, sem esperança de melhorar. Punha-se em causa, descontraia-se, refazia-se, reinventava-se, sem autocomiseração. Esvaziou os afetos, o corpo fragilizou-se, as memórias tumultuaram-se. Para a mente amputada não havia qualquer tipo de prótese. Como não gostava dele próprio não podia amar os outros, apesar de não querer deixar de amar. Tinha mirrado na demência que lhe desfizera o pensar e o agir. Passava a maior parte do dia numa ausência da realidade, por isso perpassava nas vidas de todos, mesmo sem fazer nada. Discutia consigo próprio muitas vezes, via auras estranhas sobre os cabelos:

- Vou dar milho aos espíritos santos! – Dizia num fio de voz, coçando a extremidade do nariz, um vértice desmedido numa cabeça enorme numa face doentia e óssea, em cima de pernas pouco sólidas.

Os seus sonhos estavam cheios de monstros e fantasmas. Caminhava no meio de uma neblina leve de gotículas frias. As ressonâncias que o Chora na Penca recebia do convívio com os colegas, flatos, arrotos, palavrões, gritos, convulsões e agressões, eram de tal modo ensurdecedoras, que começou a imaginar que estava a desaparecer, que estavam a apropriar-se de pedaços de si, por isso começou a coxear. Um dia entrou de rompante a gritar pelo gabinete do diretor:

- Gamaram-me o pé, ficou um coto.

- Rouba o pé a outro! – Respondeu o psiquiatra de serviço, que tinha sido acordado, empurrando-o para fora do espaço.

Saiu apressado do edifício, passou por vários mortos-vivos, e ainda ouviu os queixumes habituais do Cara de Apito, um utente solitário, que estava cada vez mais ensimesmado:

- Namoro com a minha esquerda, que não me dá descanso, já tenho a piroca em carne viva. Tentei chegar a ela com a boca, mas os bicos de papagaio não deixaram. Por isso peido-me sempre que quero transmitir ideias e sentimentos.  

O Chora na Penca era artista, criava desenhos raspados à unha nas paredes do quarto, por isso nele imperava sempre o óxido da dúvida:

- Maluco ou não maluco, eis a questão, mas agora pó, só o dos móveis.

Gostava de sentir a luz nos olhos, não tinha vergonha de ser triste, por isso fumava cigarros a condizer. Os demónios da vida que o tinham desembraiado deixara-os para trás, apesar de continuarem a persegui-lo. Tinha um pessimismo intransigente em relação ao futuro:

- Sinto o sabor a cinzas na boca – sinal de que transmutava a banalidade da loucura numa loucura sã. – Por isso sei falar enoquiano!

Mas como sintonizava sempre mal a comunicação, em vez de falar com os anjos, recebia instruções de demónios. Um dia, quando o seu colega de quarto e protetor, o Labumba, estava a urinar contra um pinheiro, resolveu fugir. O Chora na Penca sabia que depois de se começar uma mija, era difícil parar a meio. E até parar era difícil correr. Mas contra todas as probabilidades o seu meio-irmão correu, com a dita de fora e a despejar. Quando passaram em frente à janela do refeitório do pessoal, as luzes vermelhas acenderam-se, e eles soltaram o Caça Malucos, um enfermeiro com dois metros e 10 centímetros, e 130 Kg de peso, que tinha tiques de rico num corpo de pobre, e que quase levitava abraçado a sonhos grandiosos.


Wednesday, October 22, 2025

O Tira-Dentes

 



O Comandante Guélas

Série "Malucos Anónimos"

3

 “Somos todos malucos. Quem não quer ver malucos, deve quebrar os espelhos.”

 

Voltaire

“Creio nos anjos que andam pelo mundo / Creio em amores lunares com piano ao fundo / Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes / Creio que tudo é eterno num segundo / Creio num céu futuro que houve dantes / Creio nos deuses de um astral mais puro / Na flor humilde que se encosta ao muro / Creio na carne que enfeitiça o além / Creio no incrível, nas coisas assombrosas / Na ocupação do mundo pelas rosas / Creio que o Amor tem asas de ouro, Ámen.”

 Natália Correia em “Sonetos Românticos”


Os malucos precisam de espaço para sobreviverem. A acumulação numa bolha razoavelmente grande, que os devia proteger da aniquilação exterior, faz desaparecer o espaço vazio e transforma-os, muitas vezes, em predadores.

- Não gosto de ti! – Gritou o Caguetas, sentado num sofá, quando viu o Delgado Gigante a passar no seu espaço aéreo.

Mal sabia o residente da “Associação Mutualista dos Malucos de Sintra”, um cidadão de meia-idade há muito gripado, que acabara de acordar os diabos do Delgado Gigante, um utente tão presciente que, antes de o terem declarado maluco, já o sabia. As suas raivas acabavam de ficar despertas. Dera-lhe a provar a “maçã de Adão”, a pior das centenas de anfetaminas que o tinham atirado para aquela instituição de gripados de famílias ricas incluindo pensionistas do Estado. O Delgado Gigante sentiu o cheiro a azedo e a coliforme fecais do colega de carteira, fez-lhe um olhar raivoso, e recebeu em troca um beijinho velhaco, acompanhado do sorriso de um só dente. Sentiu tudo isto como dardos venenosos que lhe incendiaram os sentidos. Susteve a respiração. O Caguetas apontou-lhe o indicador, e voltou à carga:

- Não gosto de ti, és feio!

A fúria que se apoderou do Delgado Gigante era fogo que se ardia sem se ver. Olhou para o Caguetas e viu-o como o causador da sua mudança, de menino promissor, beato voluntariamente obrigado, com nome no Quadro de Honra do liceu que, de um dia para o outro, trocou as hóstias inofensivas pelos comprimidos coloridos, que o tornaram num jovem vadio e manhoso, ladrão e desequilibrado, frequentador assíduo nas penumbras da viela do Alice. Sentiu o insulto como uma chibata pública. Inspirou profundamente e arregalou os olhos azuis, cujo olhar estava ausente. Na cabeça o rastilho avançava por entre os milhões de neurónios, muitos deles já queimados por outros incêndios, e incapazes de participar numa tomada de decisão. Bruscamente ficou de semblante carregado, os olhos, que pareciam retalhos do céu, foram inundados por chamas, e esmagou com raiva o pedaço de queque que lhe tinha caído da boca.

- Diz lá isso outra vez, - pediu tonitruante, com o olhar reluzente de prazer, mastigando o bolo.

O Delgado Gigante sentiu a formidável força que existia dentro de si invadir-lhe o braço direito, caíra num delírio fascinado. Por isso respondeu com a maior violência de um subproduto humano. Balouçou o corpo franzino ao compasso da raiva e de uma tosse cava e profunda, causada pelas inúmeras beatas que fumou, e continuava a fumar, ao longo dos dias. Perdeu a respiração, fechou os olhos, o pouco cérebro funcional parou, na altura do embate a língua incendiou-se:

- Come cabrão, - gritou, cuspindo fel irado e urros, mostrando ter falta de sebo, espalhando pelo ar o ranho do nariz, soltando um trovão, de tal forma assustador, que até o Chora na Penca, que estava ao lado da vítima, se borrou como um leão.

Alternava entre um cavalo selvagem e uma vaca de rodeo, ambos aos coices, ninguém o parava. As sensações e perceções há muito que tinham ocupado o lugar dos números, dos factos e dos resultados, tudo isto desde aquela noite em que tomara um comprimido com cor de mijo, numa discoteca manhosa da Porcalhota, com cheiro intenso a catinga, que lhe derretera os neurónios. Afastou-se, tendo ainda tido tempo para dar uma festa na cabeça da Lucinda Careca, que estava sentada num degrau, abraçada aos joelhos, olhando para o seu céu, o chão, tão negro como a cor do seu cérebro.

Pelos corredores sem fim da “Associação Mutualista dos Malucos de Sintra”, malucos só para alguns, sentiu-se um grito de dor intenso e límpido. O canino do Caguetas, último dente disponível, desapareceu nos ares e entrou na boca do Pé de Pato, que o engoliu. De seguida o Delgado Gigante correu para o jardim e regressou com um machado, disposto a fazer a folha ao amigo, agora transformado num inimigo mortal, e quem o safou foi o coração do agressor, que começou a roer a corda e, sem aviso, partiu o fio na altura em que já tinha a arma elevada, pronta a cair sobre o coco do amigo. Foi um curto-circuito macio abençoado!


Sunday, October 19, 2025

Supertaça “A carroça do Platini”

 



Camarada Choco

Série Paço de Arcos

Futebol PA 77


Os peixes, as sereias, os malucos, e o Al-Berto & Sopapo não dormem. O mundo do Futebol PA parece tão sólido e justo, mas afinal não passa de uma construção imaginária. No domingo dia 12 de outubro o Tio Platini quase não ia chegando:

- Gamaram-me a carroça!

E o medo de voltar para casa atormentava-o:

- Vou ser torturado, sem relaxantes ou anestesia.

Por isso jogou com os olhos abertos, e não caiu como era habitual.

Nesta Supertaça, “O Regresso do Isaltino ao Campo”, em formato de retrato, vindo diretamente da campanha, a quem foi emprestado, o Platini não jogou, estava de castigo, mas os jogadores foram informados de que a carroça tinha aparecido:

- Estava estacionada a 200 metros do local, - disse o seu filho Caim, uma joia de atleta, vindo diretamente da Bíblia, que o diga o seu irmão Abel.

- Foi descoberta no banco de trás uma grade de cervejas, - explicou o Tio Fininho.

Neste domingo 19 a dupla Al-Berto & Sopapo foi protagonista de uma golpada, só comparada com a do Alves dos Reis. Prontificaram-se a fazer duas equipas equilibradas:

- A ética desportiva corre-me nas veias! – Prometeu o Tio Al-Berto.

- Amén – reforçou o Dr. Sopapo.

Quando o jogo começou estavam na mesma, tinham o único jogador de futebol, o Picoto, uma vez que o Tio Zé das Cápsulas não estava, e …. um jogador a mais! Do outro lado a equipa tinha uma defesa com 1 século e 32 anos, os Tios Fininho e Peidão. Ao seu velho, o Bill, o Al-Berto & Sopapo puseram-lhe uma toca azul com IA, para conseguir compreender o objetivo do jogo: enfiar a bola na baliza do adversário.

A meio do jogo, e depois de terem sofrido vários golos, porque os sobrinhos da equipa do Fininho não desenvolviam, o Tio Peidão deu o grito do Ipiranga:

- Estou farto de correr atrás da lebre do Vadio, a tensão baixa e nem com um reforço de flatos o consigo acompanhar.

O Amuadinho 2 substituiu-o, a equipa adversária assustou-se. Já não só no Tio Filipa a bola iria bater e entrar, agora também estariam em risco. Dito e feito, golo imediato da equipa do Tio Fininho, escolhida a dedo pelo Tio Al-Berto, que reforçou:

- A ética desportiva corre-me nas veias!

- Amén.

Mas um momento de perigo estava para vir. Foi quando o Tio Bill e o Tio Peidão tentaram disputar uma bola que rolava a dez metros de cada um. Todos viram dois dinossauros do Futebol PA em rota de colisão, a darem ratés, mas no momento do embate o Biblot, substituto maior no Biblot original, uma espécie de Relojoeiro Louco da Alice no País das Maravilhas, cruzou-os com velocidade do som, levou o esférico, e a deslocação do ar conseguiu abrandar aqueles atletas que já têm direito a um passe com 50% de desconto:

- Há muito tempo que não te via, - disseram ambos quando pararam um em frente do outro.

Ainda houve um “momento Maddie”, que foi quando o Picoto pôs a bola na estrada, saltou uma rede e foi visto a cair dum muro. Quinze minutos depois, e estranhando o regresso do seu avançado, o Dr. Sopapo sugeriu:

- Terá acontecido alguma coisa ao apanhador da bola?

E os golos da equipa do Tio Fininho foram entrando, com o Tio Peidão à frente, a fazer pressão psicológica, e o Picoto ausente na apanha da azeitona.  No final a vitória foi atribuída à equipa mais esclarecida, o controle antiético considerou o uso da IA no penico azul do Bill ilegal, porque acabava com a tradição do autogolo, assim como a fuga do Picoto do recinto desportivo.   


Saturday, October 11, 2025

A Árvore Mágica

 


Camarada Choco

Série "Malucos Anónimos"

2

“Não lhe façam mal que é louco”

 Miguel Bombarda após ser alvejado pelo tenente Aparício Rebelo em 3/10/1910, no seu consultório, onde o paciente acabara de entrar para uma primeira consulta.


 Dizia-se que em momentos climáticos favoráveis à proliferação do Espigão-do-Centeio, este fenómeno provocava uma alucinação coletiva, que coincidia sempre com acontecimentos históricos, como por exemplo a Revolução Francesa. E já há vários dias que resmas de malucos eram vistos a dirigirem-se lá para os lados das traseiras do Pavilhão 1, e coincidiam com os rebanhos de beatas em direção a Fátima.

- Fumei a casca da árvore e vi de imediato a santinha e dois anjos do lado esquerdo, - garantira o Kid Aromas ao Trambolho, vítima de excesso de Psilocibina.

Por isso de cada vez que via um cogumelo, quando ia a caminho da sua Meca, a “Árvore Mágica”, colhia-o, guardava-o no bolso esquerdo, para o secar na janela do quarto, triturá-lo e fumá-lo. E por incrível que pareça os flashbacks regressavam, em forma de uma Tita dos Pés Sujos atrevida, nua e provocadora.

Recuemos! O Sete Solas, senhor de uma bota esquerda especial, que compensava a perna curta, sentiu o cheiro a humidade e secura da velha árvore que resistira a muitas pragas, mas que iria tombar às mãos desta. Como era muito suscetível, e não tinha medo de ruturas, a sensação que teve vinha do fundo da sua cabeça, mais precisamente de um conjunto de neurónios rebeldes.

- Uma erva gigante, - disse o Pingalim, operário vitalício na Associação Mutualista dos Malucos de Sintra, há muito acossado por problemas mentais, tirando uma casca bolorenta da centenária árvore.

O Sete Solas era constituído por duas partes, uma que sabia tudo, outra que não conhecia. Sempre que entrava num café apresentava-se:

- Bom dia, o meu nome é Rebelo, pintor da construção civil de baixa psiquiátrica, 44 anos, e por isso não há puta que me arreganhe a cona!

O internamento de emergência aconteceu em Cascais quando se aproximou de uma juíza parecida com uma sueca da Brandoa, e lhe perguntou:

- Cambien une fudeca?

À medida que transformava a casca num produto fumável, mordia os olhos. Logo na primeira passa começou a ver o Labumba, que tinha um império na cabeça, e que se aproximava, deslocado, como se estivesse num daguerreótipo, e quando a névoa passou o companheiro de quarto transformara-se numa galinha sexualmente gostosa.

- Onde é que arranjaste esse cigarro?

- Fabriquei-o!

- Fabricaste-o?

- Da casca desta árvore!

A nuvem negra, que há muito lhe tinha borrado o cérebro, levara-o a confundir um pedaço de papel higiénico, com vestígios biológicos do Pernas de Alicate, com uma mortalha. A mistura de uma casca de árvore com um traço de cagalhão, tinha-lhe sugerido uma valente moca, que o embrenhou profundamente num sonho, e por lá ficou perdido, não sem antes deixar o amigo provar o produto. Este ouviu imediatamente o som do vento a bater nas copas das árvores, seguido de gritos estridentes, vindos de trás de portas trancadas, de loucos a uivar, a insultar, a golpearem as paredes com os punhos. Olhou para o lado esquerdo, e viu uma porca a voar, com a tromba do Carinha da Avó. Nessa noite metamorfoseou-se voluntariamente numa menina, e foi a refeição do Labumba, paciente do Gerenrico, rei da tribo e psicanalista lacaniano.


Sunday, September 28, 2025

"Como estás Amor?"

 



Camarada Choco

Série Paço de Arcos

Futebol PA 76

O ano letivo do Futebol PA 2025/2026 iniciou-se com um caso no grupo do WhatsApp, protagonizado por um jogador pinga-amor que, em vez de escrever “jogo”, fez uma pergunta: “Como estás Amor”? Logo se desenrolou um jogo virtual, quem seria o escolhido do Cabeludo? O Outro, como explicou o Fininho? Tivera um encontro imediato com o Capitão Porão, esclareceu o Peidão! O Espalha apareceu, sacudindo a água das cuecas, e acusou o contabilista, esquecendo-se de que tinha jogado toda a época anterior com collants, e por isso causara algumas ereções ao tarado do Futebol PA. Teriam ido de chuteiras treinar para o “Delice”? Mas nestes tempos de “wokismo” (não confundir com o hóquei) tudo era possível. O Preto mudara para Cinzento por causa do racismo, agora havia a possibilidade de terem um jogador trans, o Maria Albertina, na posição de pescador lúdico. O Bill apresentou-se em campo com uma touca de Pólo Aquático a conselho dum médico do Bazar Chinês “Lanterna Vermelha”, pois desfalecera num jogo da Liga Asiática da Brandoa após colidir com um bezerro. Apagou-se, deixou de ver o mundo durante dez minutos, e acordou na morgue com o camarada Mao a rir-se:

- Deixa-te de chinesices, tu nasceste para jogar num futebol civilizado, o da tua terra!

As equipas foram criteriosamente escolhidas pelo Zé das Cápsulas, tendo em consideração o aspeto físico dos atletas: dividir o mal pelas aldeias, Peidão para um lado, Pingamisú para outro, Espalha pós-covítico para a baliza e o Bill numa zona neutra, incapaz de fazer mal à sua equipa, o meio campo; quanto aos atletas de alta competição escolheu à sorte. Dez minutos depois do começo do encontro, e porque não lhe passavam a bola, o Peidão tomou a decisão que definiu o jogo:

- Vou lá para a frente!

Ainda nem parara à boca da baliza defendida pelo Pingamisú e já colocava o esférico no fundo da dita. Passou a marcar a cada cinco minutos. Jogo interrompido, o Zé das Cápsulas reclamou da sua própria escolha e exigiu trocas.

- Está muito desequilibrado quero o Peidão!

Assim sim, escolha acertada, o velho ainda se dirigia para a baliza defendida pelo sobrinho do Isaltino e já enfiava a redondinha na referida. Foi aqui que a cabeça do Dr. Sopapo começou a fervilhar. E mais ao rubro ficou quando o seu velho tio continuou na senda da vitória. Chegou a dominar com a perna direita e a marcar com a esquerda. Até que o jogo acabou.

- Quero jogar mais, não gosto de perder, - reclamou.

- O tempo acabou, tem de sair!

- Este campo não presta.

- Expulso, abandone imediatamente o local, este grupo está proibido de continuar a desenvolver a sua atividade desportiva neste recinto escolar.

- "O Doutor Sopapo anda nervoso. Demos 6 de avanço mas ainda assim queria ganhar por 7 de diferença" - Espalha.

E foi assim que a equipa do Isaltino atingiu um novo patamar: cartão vermelho coletivo!