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315 estórias

Wednesday, July 23, 2014

A Ata


O Comandante Guélas
 ISEF 2

 No dia dezanove de julho do Ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de dois mil e quatorze decorreu mais um encontro cultural/gastronómico da turma dois que albergou nos anos oitenta do século passado, durante cinco longos anos (excepção ao Dr. Jacques que continua na zona), junto à inebriante ribeira do Jamor, os rebentos da elite do Instituto Superior de Educação Física de Lisboa. O programa das festas foi elaborado pelo primeiro, e único, que já conseguiu a reforma, graças aos anos que passou no Comité Central, que contaram a dobrar, e a uma queda aparatosa de uma falésia, onde ganhou cinco cromossomas extras, que lhe deram dez anos de avanço sobre os colegas, que o pôs a fraldas e a falar chinês durante vários meses, tentando sempre obrigar as enfermeiras a pagar-lhe a gasolina, tal qual ameaçara fazer uns anos antes o Professor Doutor Parrilha quando se confrontara com o único chumbo a “Dança Clássica”, após uma noite inteira a treinar com a Glorinha do bar. As falhas mentais do reformado ficaram patentes no documento enviado à seleção, onde passou da “Atividade 1” (“Caminhada”) para a “Atividade 3” (“Almoço”), ficando assim em evidência que o número 2 já não consta nas suas memórias. Mas como “Deus escreve sempre direito por linhas tortas”, dizia-lhe sempre o Barreirinhas, houve “Atividade 2”. O encontro deu-se no Pavilhão Desportivo de Portalegre, mas sem a presença do anfitrião, e perto da “Entrada Sul”, e não da “Norte”, como constava no documento.
- Onde está o Dr. Jacques? – Perguntou o Professor Vereador Anselmo, o mais próximo da reforma, com vários anos de vereação e outros vícios políticos, que contam sempre a dobrar.
De Jacques nem vê-lo, mas quem entrou em pião no seu táxi foi o famoso Parrilha, que ameaçara uns anos antes limpar o torneio de Judo da Turma 2, mas acabara no último lugar, atrás duma colega que acabara de vir de uma noitada na pesca, e que  o deixara a tresandar a peixe. Por pouco não atropelou todos os presentes, arriscando a tornar o evento cultural no primeiro almoço individual da História da Turma 2 do ISEF. Os colegas puderam então verificar que este atleta se sujeitara recentemente a uma colonoscopia, exame aconselhável a todo este pessoal da meia-idade, mas que fora vítima da negligencia do médico especialista, Dr. Vale e Azevedo que, em vez de lhe encher a tripa com ar, colocara o tubo numa orelha, à semelhança dos colegas muitos anos antes numa aula de fisiologia prática, em que lhe colocaram o elétrodo do cardiograma nas partes baixas. Saiu do exame com a cabeça inflacionada, como se pode observar na foto que acompanha este documento.
- Onde está o Dr. Jacques? – Perguntou o vizinho do Reformado, Dr. Corista, o primeiro a chegar pela fresca da manhã, com o fato de treino do Benfica, e que acabara de acordar.
A espera foi longa, e quando se aperceberam que o anfitrião não iria chegar, talvez devido a estar a realizar o último exame no Jamor, que finalmente lhe iria dar o certificado do primeiro ano, apareceu um chaparro a guiar um carro que, ao se aperceber da ausência do organizador, disse:
- Bem me parecia que ele estava na “Entrada Norte” amarrado a uma árvore, rodeado de leitões.
Na actividade 1 (“Caminhada”) os presentes constataram que o célebre “Jardim Tarro” afinal se chamava “Jardim Sarro”, pois consistia num lago onde a população costumava lavar-se, o Palácio Amarelo tinha sido pintado na véspera pelo Jacques para impressionar os colegas da qualidade de vida de Portalegre, e a Rua Direita era completamente torta, sinal de que se confirmava in loco o rating negativo das notas do 12º ano dos alunos de matemática de Portalegre.
A “Atividade 2” (“Onde está o Jacques”?), decorreu no local indicado pelo alentejano, que consistiu numa "vaquinha" para o comprar,  pois todas as tentativas para a sua libertação (o reformado chegou a elaborar um poster onde se podia ler "Libertem o careca do povo") se revelaram infrutíferas, uma vez que não conseguiram convencer o dono da quinta de que ele não era a mãe dos bichos, mas sim um Dr. Do ISEF. Uma vez livre o anfitrião, deu-se início à “Atividade 3” (“Almoço”), mas já com o Jacques traumatizado, porque apresentou receios fundamentados, uma vez que o nome do restaurante, “Leitão”, trazia-lhe más recordações, arriscando-se a ser confundido com uma refeição mal entrasse no espaço de degustação. Valeu a pronta intervenção do judoca com hidrocefalia, que ameaçou:
- Só se passarem por cima da minha cabeça é que fazem mal ao Jackes!
Estiveram também presentes uma senhora, que veio acompanhada pelo responsável da foto, o Diniz, e o mais acrobata ginasta do ISEF, senhor das mais famosas cambalhotas, tão direitas como a rua da cidade anfitriã.

Saturday, June 28, 2014

Genesis





Comandante Guélas

Série Colégio Militar


Foi no ano letivo de 1974/75 que o Colégio Militar atingiu o número máximo de alunos: 694! E foi também em 1975 que os Genesis deram um memorável duplo espetáculo no Pavilhão dos Desportos em Cascais, no dia 3 e 4 de março. O 136 pagou 120$00 por um lugar na 3ª fila da plateia. O seu colega de turma, o Coelho, foi o maior produtor de bilhetes clandestinos, uma espécie de chinês nos anos setenta.  A banda ainda pensou filmar o concerto, mas felizmente a ideia não foi por diante, porque caso tivesse acontecido o aluno nº 78 do 7º turma A teria agora de explicar aos netos porque aparecia no Youtube a vender bilhetes falsos, junto a um dos blindados do COPCON, o responsável pela segurança do local, e por visitas assíduas ao colégio, onde estudava o filho do chefe, vítima de ataques continuados às orelhas de abano, que andavam tão quentes como o país. Mas o negócio esteve tremido porque alguém tinha sido uns dias antes apanhado pelo oficial de dia, após o regresso de um cavanço, e a segurança apertara. A entrada do aluno pela janela da quarta companhia coincidira com a do oficial de dia pela porta, tendo-se escondido de imediato atrás das cortinas, ao mesmo tempo que o militar se sentava num dos sofás. E assim ficou durante quarenta e cinco minutos, até que se levantou e foi ter com o prevaricador, agarrando-o pelos colarinhos:

- A primeira regra da camuflagem são os ténis, devem ser da cor da alcatifa!

Mas um ex-aluno será sempre um Menino da Luz, e por isso tudo ficou por ali. Regressemos ao evento!

Na secção tipográfica do Colégio Militar havia horas extraordinárias clandestinas pela calada da noite, a máquina já deitava fumo. Todos olhavam gulosos para o produto que iria sair, o vigilante ainda estava longe, o oficial de dia já dormia profundamente, e nas companhias o silêncio era absoluto, excepto na Sala de Leitura da Quarta Companhia, transformada numa casa de jogo clandestina, com um lusco-fusco envolto num nevoeiro de fumo espesso, onde circulavam bejecas e produtos típicos da época revolucionária. Lá fora alguns brincavam com o blindado, que vinha pela quarta vez a toda a velocidade dos lados do ginásio, apinhado de meninos vestidos de cotim, que fazia abanar as janelas laterais com a deslocação do ar.  

 - As letras estão desbotadas, - disse o 315 olhando para os bilhetes amarelados que tinham acabado de sair da máquina de impressão.
- Calma que vamos arranjar uma solução, - exclamou o 78 do 7º A. – Juro que iremos ver os Genesis, comer um gelado no Santini e passear com uma queque.
Olhou para todos os lados e gritou:
- 496, tens canetas de filtro pretas?
- Na sala de aula!
Os claustros estavam mergulhados num silêncio profundo e numa negritude assustadora. Dois vultos embrenharam-se lá para os lados da sala da santa, que olhava no exterior para o Largo da Luz, e era quotidianamente apalpada pelos alunos, porque nestes tempos as apostas choviam a toda a hora, e era preciso ter os bolsos abonados para as jogatanas após a última cornetada da noite, o toque de silêncio. Quando estavam cercados pela escuridão foram surpreendidos por um feixe de luz no andar de baixo, ao mesmo tempo de um abrir brusco de uma porta.
- É a ronda, - avisou o 425.
Um brilho apagou tudo e um segundo depois a luz extinguiu-se, sinal de que  o vigilante rumara para outro recanto do Colégio Militar. A caneta foi entregue na tipografia e de imediato lançaram mãos à obra. No dia seis de março, apesar do pavilhão estar sobrelotado, alguém continuava a vender bilhetes junto à Chaimite estacionada na porta lateral paredes meias com o hipódromo, balcão 80 escudos e plateia 120 escudos, mesmo depois de terem anunciado lotação esgotada uns dias antes. Junto ao pavilhão havia soldados fardados, por isso o Maná passou despercebido. No dia sete a aglomeração de pessoas foi tal, que os soldados optaram por deixar entrar todos, o 214 teve de se desviar das balas disparadas contra as paredes do pavilhão, com e sem bilhete, onde se incluiu o 78 que, ao aperceber-se da situação, e como Menino da Luz apto a desenrascar-se nas situações melindrosas, vendeu o seu, e o dos camaradas, meia hora antes, a uns queques de Cascais mascarados de hippies, que levavam as cabeleiras postiças das mães a cheirar a naftalina e os robes das sopeiras a Lavanda. O Teta foi no segundo dia com um bilhete made in Luz, mas não o usou porque entrou no meio de uma molhada que levou os soldados atrás. Mas antes disso já tinha sido vítima de um arrastão no Cais do Sodré, quando desconhecidos assaltaram a caixa de bolos no momento em que se preparava para os comer. Nas memórias destes Meninos da Luz, o 41,o 75, o 78, o 136, o 315, o 332, o 425, o 472 o 496, ficou a imagem do Peter Gabriel a iniciar o concerto com uma camisola branca e um blusão de cabedal preto, no meio de um cenário com luzes, efeitos visuais e pirotécnicos, imagens projectadas de slides, que chegaram aos mil, tudo isto mergulhados numa atmosfera que os deixou a cheirar a “Axe” durante os dias seguintes, e com os bolsos cheios de escudos, muitos deles derretidos horas depois na noite louca e revolucionária vila de Cascais. Tocaram integralmente o The Lamb Lies Down on Broadway e os dois encores foram o Watcher of the Skies e o Musical Box do álbum Foxtrot. Regressaram calmamente ao Colégio Militar às quatro horas da manhã!


 

Friday, May 16, 2014

GOTE para o 33


Comandante Guélas

Série Colégio Militar

Através destas estórias ouve-se o respirar do colégio, assim como o vento e a luz, que são cúmplices da nossa passagem sobre o espaço. Na aula de Desenho o Pina Lopes dava um conselho ao Coiote:
- Jovem, a primeira coisa a aprender nesta disciplina é a afiar um lápis. Como futuro militar, se marcares o alvo num mapa com o lápis rombo, as bombas caiem ao lado. 
Além da teoria havia a prática na Tapada de Mafra, por isso a primeira tarefa da patrulha número quatro, 21, 176, 204, 230, 236, 239, 267, 303 e 502 consistiu em armar as tendas, seguindo os procedimentos militares. Até que uma cavilha resistiu ao embate do calhau e teimou em não entrar.
- Dá cá a espingarda, - pediu o 239.
Agarrou-a pelo cano e martelou a espia com a parte reforçada da coronha.
- Pareces uma menina, - gritou o 230, tirando a Mauser das mãos do 176.
Cobriu o ferro com uma parte da lona da tenda, ergueu a espingarda, e martelou impiedosamente a cavilha, mas desta vez com a face esquerda de madeira. A fúria apoderou-se do operário quando se apercebeu que nem assim conseguia enterrar a dita. Aumentou o ritmo, até que:

CRRRRRRR

Coronha para obras! Silêncio sepulcral, todos a olharem para a racha da arma. Optou-se por enrolar o “ferido” numa manta, até se decidir o que fazer com ele. Só após o toque de recolher é que se reuniu a patrulha, com uma lanterna, para encontrar uma solução para a Mauser.
- Tem de regressar intacta ao Colégio senão o capitão dá cabo de nós.
A lanterna contribuiu com um parafuso, que foi colocado, com o auxílio de duas chaves de fendas, na coronha.
- Não chega, precisamos de pregos.
- Sem cabeça!
O material estava nas botas de atanado. Três tornaram a coronha hirta como uma barra de ferro. Mas a ferida continuava visível. O terreno lamacento de Mafra providenciou o betume que tapou a racha. A Mauser foi colocada uma semana depois no armeiro, perante o olhar atento do oficial, que não colocou nenhuma objeção.
Havia também os dias especiais como o da condecoração do 33, que iria receber a medalha da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, com o grau de Gande-Oficial. Como tinha sido impossível recebe-la no dia 10 de junho, por se encontrar ausente da Metrópole, e necessitava de estar perante dois batalhões, no mínimo, exigiu receber a insígnia no Colégio Militar. Teve como testemunhas o Batalhão Colegial, uma companhia de Cavalaria 7, uma Companhia de Lanceiros 2, e uma representação de Comandos Africanos da Guiné, os célebres “Flechas Negras”. Porque ia ter um papel muito importante no desfile do dia seguinte, o Maná aproveitou a noite quente de outubro de 1973 e ausentou-se com uns amigos do colégio. De regresso viram que o campo de futebol de 11 estava repleto de bandeiras nacionais hasteadas e só relaxaram na piscina quando as arrearam. Por estes lados já tinham andado outros artistas, que preferiram entrar no ginásio, juntar colchões posicionar uns quantos plintos e fazerem tarzans com as cordas. Para os Meninos da Luz esta festa revelou-se a maior seca de todos os tempos, pois tiveram de estar toda a manhã debaixo de um sol abrasador, a fazer “apresentação arma” de cada vez que chegava um convidado, e eles pareciam não ter fim. E ainda por cima o presidente Américo resolveu chegar atrasado, talvez devido a uma mudança de fralda imprevista. Nesta estória o responsável por marcar a cadência será o Maná, por ser o “primeiro da direita que comandava a escolta à bandeira” (palavras do próprio), apesar de já haver uns certos indícios de confusão, próprios da idade avançada, nos Meninos da Luz que participaram no fórum cujo tema foi precisamente este acontecimento do século passado.
Quando finalmente o Thomaz chegou, todos respiraram de alívio, ia dar-se início à festa em honra do 33. A cadência era cada vez mais lenta, dir-se-ia que o Maná estava a acusar o esforço feito na noite anterior, e ia lentamente adormecendo. Os pretos do 33 pareciam os artistas do posto fronteiriço de Wagah, que separa a Índia do Paquistão, e com o ritmo do 78 estiveram constantemente a travar, marcando passo.

Monday, April 21, 2014

Meninos da Luz / Meninas de Odivelas


Comandante Guélas

Série Colégio Militar



“Não somos nós que decidimos a forma das coisas; mas as coisas em nós que decidem a sua própria forma” – Espinosa.

Estas estórias tornam o colégio ao mesmo tempo enigmático, límpido, silencioso e imenso. As nossas memórias são muito mais feitas de emoções do que realidades objetivas. Por isso o professor de Educação Física Isménio Tadeu contava sempre aos seus alunos que deixava o eléctrico arrancar para depois ir a correr apanhá-lo.
O calendário indicava vinte e cinco de abril do Ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de dois mil e quinze quando o ministro Alguidar e a Dona Berta entraram numa Chaimite no Colégio Militar, para a inauguração do edifício que iria albergar meninas, a já batizada “Torre do Pecado”, que tinha custado o dobro do inicialmente previsto, e o tamanho era menor do que o planeado, sinal de que parte do dinheiro tinha ido parar ao bolso de alguém. Iam tensos, amedrontados, pois tinham ousado mexer no que de mais sagrado havia para os Meninos da Luz: as Meninas de Odivelas! Que tipo de meninas seriam estas? Continuavam a ser as musas de antigamente, mas mais perto, ou passariam a ser as Meninas da Luz? Pelo caminho deram de caras com um cartaz que dizia “ Aberta vais levar um Ramalho”, assinado pelo temido “Grupo Zacatraz”, agora na posse de um suporte informático capaz de convocar todos os Meninos da Luz (alunos, professores e funcionários) desde a fundação do Colégio Militar. O Alguidar sabia que iria deixar de ter proteção especial, o governo estava de saída, vinham aí as eleições, e com elas a vinda do Inseguro, que nem uma palavra dissera sobre estes dois lendários colégios de Lisboa. À sua espera no porto estava o 281, o Tofa, pronto para lhe dar mais um apertão. Quanto à Dona Berta, regressaria aos esquemas antigos nas ilhas do Atlântico, escondendo-se uns tempos na Graciosa para deixar assentar a poeira. Mal ela sabia que na ilha estava o 502! Quando iam a passar junto ao campo de futebol uma nova faixa dava-lhes as boas-vindas: “Meninas só existem umas, as de Odivelas e mais nenhumas”. E era verdade, os elos que ligavam estes seres ultrapassavam todas as ideologias, e já eram património da Humanidade. Em 1964 o Comandante de Batalhão, o 8, tinha ido ajoelhar-se, em traje de gala, em frente à diretora do Instituto de Odivelas, pedindo desculpas pela invasão do ano anterior, vésperas da comunhão, quando um dos inúmeros grupos expedicionários de Meninos da Luz, a coberto das trevas, e aparecendo não se sabe de onde, talvez do túnel, um tesouro imaterial do Colégio Militar, tinha atirado pedras às janelas das meninas, a convidá-las para o pecado, dando origem a um acontecimento semelhante ao da independência do Brasil: “O grito da Fernanda”! O susto da Dona Deolinda foi tal, que chamou de imediato a GNR:
- E tragam cães com coleiras cheias de alhos, tenho a quinta infestada de demónios, e quero que as meninas continuem puras para a cerimónia de amanhã!
Mas não foi preciso a presença das autoridades, os cavaleiros tinham feito questão de deixar os números escritos nas paredes do dormitório. Um telefonema para o oficial de dia bastou para que o Colégio Militar preparasse a cela aos fugitivos, pois o “bom filho à casa torna”. No dia seguinte a Comunhão das Meninas de Odivelas foi marcada pela ausência dos Meninos da Luz na guarda de honra junto ao altar, tendo sido substituídos pelos Pupilos do Exército.
- Sentimos a falta do Penacho empinado dos nossos cavaleiros, - confessou mais tarde uma das alunas, desabafando - "tivessem os meninos vindo à nossa camarata que nós não gritávamos!".
- O dos pilões é só pêlo! – Retorquiu outra.
O presente do Alguidar era uma pálida amostra do negrume do futuro que se aproximava. Por isso vacilou:
- Berta, achas que estamos seguros aqui?
- Fizemos um erro, mas agora temos de seguir em frente, - respondeu-lhe a açoriana, espreitando pela vigia.
A “Torre do Pecado” era vista como uma cápsula do futuro, enquanto o decreto que extinguia o Instituto de Odivelas não fosse revogado. Até lá os Meninos da Luz guardariam com todo o amor e carinho as suas musas, até ao dia D, em que elas regressariam à origem, com a Escolta a Cavalo e os Penachos verdes empinados. Até lá romanceava-se o futuro:


A especificidade do Colégio Militar, uma escola onde a ordem unida tinha carácter obrigatório, transformara-se no novo século numa escola inclusiva que não era igualitária, por isso tinha agora de ter respostas diferenciadas para aquilo que era diferente. E as opções não podiam ser redutoras. A aluna 923, a Boca Louca, acabava de confidenciar às suas camaradas que o teste de gravidez dera positivo.


- E quem é o pai, o Esperma? – Perguntou o Cu Justo.

- Sei lá, tanto pode ser ele, como o Tarado, o Punhetas, o Andorinha…sei lá, perdi-lhes a conta!

- O Cu de Senhora? É impossível, ele joga noutro campeonato.

- Ele enganou-se, estávamos a brincar à sala de leitura escura na quarta companhia, e confundiu os rabos.

- E agora, o que é que vais fazer?

- Nada!

- Nada? Não vais contar aos teus pais?

- Se contar eles tiram-me daqui e eu quero acabar o curso, já só faltam uns meses!

- Uns meses? Daqui a algum tempo a barriga vai-se notar!

- E depois, o ministro bem disse que no colégio não há discriminação, as alunas também podem ser obesas!

A vida no Colégio Militar estava metodicamente organizada, o tempo era cuidadosamente repartido, regular, apesar de para uns representar uma solidão e para outros a liberdade. Quando o Diretor do Colégio Militar abriu a pasta, nem queria acreditar! O mês de janeiro de 2025 ainda mal começara e já tinha mais um caso de difícil resolução: uma aluna grávida! Olhou para a frase escrita no papel afixado na parede, “aqueles que preferem ser simpáticos não passam de lambe botas que nunca serão respeitados”, e sorriu. O caso do aluno 889, o Cláudio, que mudara de sexo durante as férias de verão e apresentara-se como aluna, a Palmira, no ano letivo seguinte, abanara a instituição militar, mas o “politicamente correto” nestes tempos em que as histéricas dominavam, depressa resolvera o imbróglio através da atribuição de um novo número, o 991, para assim não traumatizar a rapariga. E até de alcunha mudou, passou de “Quatropatas” para “Mamalhuda”! O 790 também quis ser Tânia Vanessa, mas mantendo intactas as características do Gonçalo, o que obrigou à intervenção do ministro da Defesa, cujos assaltos aos paióis de Tancos eram agora uma tradição, com direito a subsídio cultural e tudo, daí as prioridades serem outras:

- Por este andar vamos a caminho de um novo instituto feminino!

O problema que a aluna 923 agora levantava dizia respeito ao filho. Teria de ser dado um número ao rebento, o equivalente à nacionalidade portuguesa aos que nascem em território nacional?