miguelbmiranda@sapo.pt
315 estórias

Sunday, September 28, 2025

"Como estás Amor?"

 



Camarada Choco

Série Paço de Arcos

Futebol PA 76

O ano letivo do Futebol PA 2025/2026 iniciou-se com um caso no grupo do WhatsApp, protagonizado por um jogador pinga-amor que, em vez de escrever “jogo”, fez uma pergunta: “Como estás Amor”? Logo se desenrolou um jogo virtual, quem seria o escolhido do Cabeludo? O Outro, como explicou o Fininho? Tivera um encontro imediato com o Capitão Porão, esclareceu o Peidão! O Espalha apareceu, sacudindo a água das cuecas, e acusou o contabilista, esquecendo-se de que tinha jogado toda a época anterior com collants, e por isso causara algumas ereções ao tarado do Futebol PA. Teriam ido de chuteiras treinar para o “Delice”? Mas nestes tempos de “wokismo” (não confundir com o hóquei) tudo era possível. O Preto mudara para Cinzento por causa do racismo, agora havia a possibilidade de terem um jogador trans, o Maria Albertina, na posição de pescador lúdico. O Bill apresentou-se em campo com uma touca de Pólo Aquático a conselho dum médico do Bazar Chinês “Lanterna Vermelha”, pois desfalecera num jogo da Liga Asiática da Brandoa após colidir com um bezerro. Apagou-se, deixou de ver o mundo durante dez minutos, e acordou na morgue com o camarada Mao a rir-se:

- Deixa-te de chinesices, tu nasceste para jogar num futebol civilizado, o da tua terra!

As equipas foram criteriosamente escolhidas pelo Zé das Cápsulas, tendo em consideração o aspeto físico dos atletas: dividir o mal pelas aldeias, Peidão para um lado, Pingamisú para outro, Espalha pós-covítico para a baliza e o Bill numa zona neutra, incapaz de fazer mal à sua equipa, o meio campo; quanto aos atletas de alta competição escolheu à sorte. Dez minutos depois do começo do encontro, e porque não lhe passavam a bola, o Peidão tomou a decisão que definiu o jogo:

- Vou lá para a frente!

Ainda nem parara à boca da baliza defendida pelo Pingamisú e já colocava o esférico no fundo da dita. Passou a marcar a cada cinco minutos. Jogo interrompido, o Zé das Cápsulas reclamou da sua própria escolha e exigiu trocas.

- Está muito desequilibrado quero o Peidão!

Assim sim, escolha acertada, o velho ainda se dirigia para a baliza defendida pelo sobrinho do Isaltino e já enfiava a redondinha na referida. Foi aqui que a cabeça do Dr. Sopapo começou a fervilhar. E mais ao rubro ficou quando o seu velho tio continuou na senda da vitória. Chegou a dominar com a perna direita e a marcar com a esquerda. Até que o jogo acabou.

- Quero jogar mais, não gosto de perder, - reclamou.

- O tempo acabou, tem de sair!

- Este campo não presta.

- Expulso, abandone imediatamente o local, este grupo está proibido de continuar a desenvolver a sua atividade desportiva neste recinto escolar.

- "O Doutor Sopapo anda nervoso. Demos 6 de avanço mas ainda assim queria ganhar por 7 de diferença" - Espalha.

E foi assim que a equipa do Isaltino atingiu um novo patamar: cartão vermelho coletivo!

Saturday, September 27, 2025

O Franguito Assado

 


Camarada Choco

Série "Malucos Anónimos"

1

“Senti a minha Mente partir-se em duas / Como se o meu Cérebro se tivesse dividido / Tentei uni-lo – Costura a costura / Mas não cheguei a consegui-lo”

Emily Dickinson


Os peixes, as sereias e os malucos, não dormem. O mundo que nos rodeia parece tão sólido e tão estável, mas afinal não passa de uma construção imaginária. Esta é a estória de dois amigos inseparáveis, o Constantino e o Viriato, ambos com predisposição para a dualidade, donos de problemas graves nas cablagens, que os stressava com regularidade, altura em que os seus fantasmas complexos subiam das catacumbas destas santas alminhas, e saiam-lhe pelas orelhas. Por dizer muitas vezes que falava com os mortos, Constantino acabou sendo internado. Sonhava com os olhos abertos e tinha sonhos oníricos, em criança sofrera de pesadelos geométricos, cujas visões eram insuportáveis e asfixiantes, mas o que ninguém sabia é que conseguia usar as emoções dos mortos e as suas relações que tinham tido com os vivos, para entrar em contacto com eles. Viriato recebera o nome de um herói, por isso tinham-lhe exigido que vivesse a condizer, mas não sabiam que viera ao mundo arrastando o fantasma de um familiar morto, por isso já tinha os neurónios passados a ferro pelos eletrochoques, aplicados a quente, sem relaxantes ou anestesia, que numa noite o fez sentir um funeral no seu cérebro. Nunca conseguiu ouvir o som do riso.

Os sonhos do Constantino estavam repletos de anões, que lhe entravam pelo ânus e faziam-lhe cócegas nas tripas. Quando acordava tinha sempre aos pés da cama um cesto com ansiedades fresquinhas, insultava-se em várias escalas de furor porque vivia sobre o dorso do vento. Puseram-lhe fraldas, “que são para os bebés”, queixava-se, por isso pensava ser esse o motivo das negas que a Lucinda Careca (que tinha sempre um pelo pecaminoso a sair-lhe da narina esquerda, em que as rugas entre o seu nariz e os cantos da boca lhe davam um aspeto de uma morsa triste, cujo corpo a derreter acentuava um traseiro comprido, como o Diabo gostava, que mais parecia um par de braços gordos) lhe dava quando pedia um “beijo com língua”:

- Cheiras a merda, - respondia invariavelmente a sua Dulcineia, revirando os olhos, a tudo e a todos, sinal de que só dispunha de sintomas.

Lucinda Careca tinha uma idade em que todo o corpo ganhava calos, mesmo nos lugares recônditos. Nunca conseguiu aprender a ultrapassar a nuvem de tristeza com que nascera. A alegria, que nunca é trazida pelo vento, e que não anuncia a sua chegada, ouviu-a um dia a chegar, mas foi efémera, por ser um sentimento delicado. Até mudar de freguesia massacrou-se a ela e à família, quando cantava e dançava com uma aceleração louca em frente à televisão, nas alturas em que a mãe tentava ver a “Gabriela, Cravo e Canela”! Tinha vontade de reencarnar na tia Mercedes, o único membro da família que lhe dera “miminhos na passarinha”, como costumava contar ao psicoterapeuta, que a auscultava sempre que ia à consulta. Em pequena dizia que queria ser pastora, depois mudou para bombeira e, por fim, ficou maluca.

- Sou a mais explícita, boto sempre o dedo direto nas feridas, - dizia com frequência esta maluca cheia de nostalgias e amarguras que, quando morresse, queria ser velada por guardas-noturnos, pelo presidente da república, por prostitutos, artistas, gigolôs, políticos, chulos, cantores, assaltantes, tunas, putas, fadistas, e ser cremada:

- Para não me enterrarem viva. Tudo igual ao da feiticeira Natália Correia, a minha madrinha do armistício com o Viriato, e sua amante. E quando as cinzas forem lançadas ao Trancão, o meu amado lerá o poema mais lindo que me escreveu na Fajã da Porcalhota.

“Numa noite de copos / Com o meu chouriço rijo / O teu nome escrevi / Com um jato de mijo”.

Constantino foi lentamente desenvolvendo uma paranoia em cima da esquizofrenia, e até já imaginava um corno a crescer-lhe no lado esquerdo da testa. Cada vez sentia mais necessidade de meter sonhos na vida. Tinha desejos negros, vontade de morrer. Fazia xixi pelas pernas abaixo, cheio de angústias, sempre junto à mesma árvore, com vontade de levantar a perna esquerda, mas quando tentou, caiu. A paixão tenebrosa, misturada com demónios vindos do fundo da alma, impeliam-no na busca de uma verdade ulterior. Por isso citava muitas vezes a frase que Joseph Conrad escrevera no seu romance “O Coração das Trevas”:

- “Está escrito que eu teria de assumir até ao limite a minha lealdade ao pesadelo da minha escolha”! – Como se de uma oração se tratasse.

- Quem será o cabrão que se anda a lambuzar-se com a minha Lucinda? – Gritou um dia enquanto defecava, mostrando que estava com um Eu carente de osso.

Uma noite, depois de lhe terem fechado a sela da Associação Mutualista dos Malucos de Sintra, uma combinação onírica fê-lo sentir um cheiro dum flato, mas não era um peido qualquer, era o pum de um dragão. Olhou para o amigo Viriato, que dormia um sono profundo e pensou:

- Sacana, queres matar-me com metano, e finges que dormes, estás acordado que nem um alho. Se não te paro dás cabo da camada de ozono e ficas com a Lucinda Careca!

E continuou, depois de uma breve pausa contemplativa.

- Fedes a enxofre, vou-te mandar para a cave, - gritou, vindo dum recanto negro.

Arregalou os olhos e os dedos agarraram-se ao seu cabelo, era apenas energia pura, tremia-lhe a voz, estava atestado de ódio. Numa mistura de fúria demoníaca com cólera divina, não usou azeite a ferver, como costumava fazer Vasco da Gama aos muçulmanos, mas álcool gamado na enfermaria, e um fósforo, só um fósforo!