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315 estórias

Monday, September 27, 2010

Campeonato de Futebol de 5


 Comandante Guélas
Série Paço de Arcos


Para o Milhas a responsabilidade era enorme: o “sogro” tinha financiado a inscrição, após o seu pedido, no Torneio de Futebol de 5 do Pimenta, que iria decorrer no pavilhão do Clube Desportivo de Paço de Arcos e para ele só havia um objectivo, oferecer a taça ao Galego. Passaria a comer lagosta ao pequeno-almoço, santola a meio do dia e camarão ao deitar. A primeira medida que tomou foi auto-nomear-se capitão da equipa e contratar o Capitão para adjunto. O treino inaugural foi marcado para as 8 horas de uma segunda-feira num campo lavrado e inclinado, no Alto de Paço de Arcos. Por volta das 12 horas iniciou-se a sessão com o número mínimo de atletas, os madrugadores, e incluiu o João Gordo que ia a passar, vindo directamente de um bar de Cascais. O Milhas começou por transmitir o seu desagrado quanto à assiduidade e ameaçou despedir todos os presentes se tornassem a não cumprir o horário imposto.
- Já pagaste a inscrição, – disse o Chico Sá, o ponta-de-lança mais dorminhoco da região que mantinha uma estranha dieta desportiva, borrachas escolares.
Foi assim retirada a ameaça de despedimento colectivo, pois o Milhas arriscava-se a não ter equipa para representar o estabelecimento do “sogro”. Deu início à actividade, entregando a tarefa ao adjunto, que nem teve tempo para dar a apitadela, pois a equipa do Estudante Focas já ia a meio da ladeira, em situação de contra-ataque, enquanto que a bola tinha acabado de entrar na aldeia da Terrugem e os filhos do Manelinho do estrume, assessorados pelo Ánhuca, preparavam-se para gamá-la. Só desistiram da ideia quando viram uma chuva de calhaus a aproximar-se das suas cabeças. O treino acabou, as equipas estavam na parte debaixo do campo, no vale, e recusavam-se a subir. Aliás, já não havia quórum, o João Gordo tinha aproveitado o balanço da descida e fugira para casa da tia.
Quando o torneio começou a equipa estava na máxima força, o Charlot tinha sido o guarda-redes seleccionado, devido às suas 10 diopetrias, a Becas era a enfermeira e o Capitão estava sentado com a braçadeira de Treinador. O resto estava ao balcão do bar a atestar-se de bejecas. O Milhas nem queria acreditar quando o árbitro deu inicio ao jogo. Estava ele e o guarda-redes!
- O que é que o meu sogro vai pensar, – gritou, dando ordens ao adjunto para ir buscar o resto da equipa.
Quando a equipa adversária já estava a ganhar doze a zero, o árbitro interrompeu o jogo e advertiu o Charlot de que não podia estar de costas, mesmo estando a ser muito mais eficaz nessa posição. O guarda-redes ainda tentou explicar que era uma forma de protesto por os colegas estarem a render pouco, mas a ameaça de expulsão fê-lo mudar de atitude. Entraram mais seis golos sem resposta. Quanto ao Milhas, saiu do pavilhão à beira de um ataque de nervos e marcou um treino para as oito horas do dia seguinte. Nem o Capitão apareceu. Com as estrondosas derrotas seguintes, a equipa foi ganhando fama e enchendo o pavilhão, até que o Chinoca num dos jogos tropeçou na bola e enfiou-a na baliza da equipa adversária. Foi a apoteose final, todos se levantaram. A fama da equipa de Futebol de 5 do galego ultrapassou as fronteiras da vila e a Taça de Bom Comportamento, a maior, foi levada em braços pela equipa do capitão Milhas, que continuou a protestar e a marcar treinos punitivos para as oito da manhã. Mas o azar continuou a bater-lhe à porta: ganhou a Lotaria!


Monday, September 20, 2010

Um Oficial Encurralado

Comandante Guélas

Série Paço de Arcos
A notícia correu depressa, o ex-adolescente mais certinho da vila, o Peidão, ia casar-se, e os membros do Gang dos Meninos Ricos de Boas Famílias e Caucasianos de Paço de Arcos (G.M.R.B.F.C.P.A.) desejaram “boa-sorte” à noiva, a Santinha. Mas surgiu um problema: não havia lugar para todos, os futuros sogros do que pensavam ser o noivo mais cobiçado da Costa do Estoril queriam poupar na boda. Foram de imediato confrontados com a solução mais óbvia: os velhos saltavam, para dar lugar à juventude…e que juventude! Acabavam-se assim as madames de cabelo à “Moisés”, com fatos a cheirar a naftalina, pérolas de plástico, cachuchos de roscas e prendas miseráveis, acompanhadas por cavalheiros com dentaduras descaídas e que estavam mais para lá do que para cá, encharcados em Pritralon 2000, as criancinhas penduras não faltavam ao infantário, e às tias da aldeia prometia-se enviar os restos em “tupperweares”, para elas e para os bóbis. A festa assim rejuvenescia e com toda a certeza que seria muito mais original. Mas nunca ninguém imaginou o quanto original ela iria ser, nem o próprio Hitchock! A autorização para mais uns quantos foi dada na véspera e o Peidão e a Santinha convidaram todos e mais alguns, prometendo arranjar lugares disponíveis, nem que para isso tivessem de raptar durante alguns dos inúmeros familiares. Até o Bigornas trouxe um coirão que ninguém conhecia, mas que ele insistia ser a namorada de há muito, esquecendo-se de que no gang só havia registo da eterna Kika, uma alemã que só se lembrava do namorado quando precisava de alguém para lhe levar a bilha de gás da porta de entrada para a cozinha, nas traseiras, cruzando-se sempre com o Camaleão, irmão do Estalinho, que acampara à porta da Lentes, dentro do “Mustang” do pai, o saudoso Tio Chico, que dizia sempre com orgulho ser pai de “quatro matulões”, esquecendo-se que o filho Trovão tinha um metro e meio. Os convites de última hora foram feitos como os primeiros, de boca em boca e à porta do Pica, porque para os noivos poupar nas mariquices dos convites significava mais lugares à mesa para os amigos. Mas mesmo assim ficaram muitos esquecidos e alguns traumatizados. O dia D chegou e quando o Peidão acordou tinha ao seu lado a sua grande paixão, a mártir de nome Santinha, com quem vivia em pecado há já vários meses, para grande desgraça da mãe desta, a Dona Santola (uma “Santinha ao quadrado”, segundo classificação do jovem). Despediram-se e combinaram encontrar-se no altar para regularizar a situação com os céus. A boda teve lugar na Quinta da Granja em Sintra, pois o pai do noivo era o chefe da força que guardava os ares do país, excepto os que o filho costumava largar, e para o Orlando, o comandante, este era o dia mais feliz da sua vida, pois talvez estivesse aqui a grande oportunidade para progredir na carreira: dar todo o conforto ao filho do chefe! Na véspera do grande acontecimento paçoarcoense fez uma visita guiada às instalações, incluindo a ala mais in do palácio, os aposentos “reais” datados do século XVII, recentemente restaurados, e colocados de imediato à disposição dos noivos, para que os inaugurassem a seguir à boda. Até a retrete, onde muitos nobres tinham arriado faustosos cagalhões, se encontrava recauchutada e selada para os fundilhos do Peidão e da Santinha. Mas ao noivo, que não ligava muito a estas mariquices da História, o que lhe chamou à atenção foi o corredor dos aposentos dos oficiais, paredes meias, que estava forradinho de extintores , um por cada porta.
- Se o gang vem aqui, o Orlando manteigueiro será despromovido e passa a ser o Cabo Pilas , - pensou. – Vamos ficar longe destas tentações com a cor da maçã do Paraíso!
Como já era de prever a chegada do noivo foi acompanhada de um coro, de “Peidão” e muitos “Peidão”, que se estenderam à cerimónia na igreja, felizmente dirigida por um paçoarcoense padre que teve o bom-senso de acelerar o ritmo.
- Se queres falar com o meu irmão, até às 20 horas está no convento e depois passa directamente para o bordel, - dissera aos noivos um mês antes o adolescente Serapito quando estes escolheram o seu mano para lhes abençoar a vida de pecado.
E os gritos foram tantos que os meninos de boas famílias de Paço de Arcos ficaram com as goelas secas, vendo-se obrigados a porem-nas de molho mal tiveram oportunidade. O avô do noivo, pioneiro da aviação, juntou-se à festa e levou um amigo que conhecera, o engenheiro com cara de leitão. Nunca mais ninguém os parou! E foi nesta altura que um oficial da base foi encurralado na casa de banho, pois resolveu ir verter águas antes de um lote de meninos ir verter também as suas. Quando descobriram por baixo da abertura da porta do cagatório os seus sapatos e as calças em baixo, aproximaram-se. O Graise bufou-se durante meia hora e no intervalo entre cada petardo o Velhinho batia na porta e gritava:
- Então, então, estão aqui crianças!
O de lá nem tossiu nem mugiu, e assim ficou até que os copos dos meninos ficaram vazios e tiveram de ser recarregados. No andar de baixo a festa ia rija, o Pilas cavalgava pelos vastos corredores do palácio, enquanto que os noivos apanhavam a seca do costume, fotos e mais fotos com aves raras pelo meio. O fotógrafo era o irmão do Bigornas, e como o noivo não lhe prometera nada, excepto um almoço à conta dos sogros, simulou fotografias que nunca chegaram a aparecer. No final aconteceu aquilo que o Peidão e a Santinha temiam!
O Vaca Prenhe, cunhado do noivo depois de ter presenteado a Dona Ludres com um netinho fora de tempo, o Cabeça de Ananás, resolveu praxar o Peidão nos aposentos reais. Um minuto depois de entrarem entrou também a boca dum extintor, comandado pelo Graise, e encheu o espaço de um nevoeiro serrado, que obrigou metade do gang a refugiar-se no wc selado. E selado ficou, porque aproveitaram a confusão para verter águas para onde estavam virados. A sogra da Santinha nem queria acreditar, do quarto saia fumo branco, não porque houvesse Papa, mas sim porque todos os extintores estavam agora vazios. O Orlando não podia actuar, e por isso teve de ir o chefe que colocou todos os “meninos de boas-famílias” no exterior para minimizar os estragos. E naquela zona havia uma grande piscina atestadinha de água cristalina, que foi para onde se dirigiu o gang para se refrescar. Um minuto depois já havia jovens em cuecas a voar da prancha, incluindo a Santinha que foi atirada de vestido de noiva. O ponto alto desta banhada colectiva foi quando o Pilas baixou as cuecas e ofereceu a fruta a uma velha que espreitava escandalizada num canto do edifício:
- O que tu queres está murcho, - gritou o adolescente que, para constituir família, teve de ir viver em reclusão para o Porto, sendo agora um pai com grave amnésia em relação ao seu passado na vila mais gloriosa da Costa do Estoril.
A história deste casamento imemorável correu de boca em boca pelas damas militares, como já era tradição no ramo, e chegou como escândalo ao colo da filha de um deles, que nunca vira os noivos, mas era como se tivesse estado na boda.